2. Hoje, como ontem, impõe-se eliminar o absolutismo, já não do monarca que se considerava representante absoluto de Deus na terra, mas do medo daqueles que manipulam as ideias de Deus e de religião para prosseguir os seus fins de conquista de poder e de expansão dos seus negócios ilícitos. O Daesh não quer mais do que espalhar, por todo o mundo, o absolutismo do medo – que nós todos deixemos as nossas tradições, os nossos hábitos, o nosso apego pela liberdade e pela tolerância a favor de um “estado de exceção” permanente em que temos medo do próximo, em que discriminamos o diferente, em que deixamos de ser nós para ficarmos, ainda que não intencionalmente, igual aos “outros”. Iguais aos terroristas.
3. Vencer estes bárbaros, vencer o terror, depende de todos nós – e de gestos singelos e de pequenas grandes atitudes. Pequenas grandes atitudes como a de continuarmos a preservar a nossa liberdade acima de tudo, mantendo o nosso modo de vida – é um gesto pequeno na sua dificuldade, mas enorme quanto ao seu significado. É o maior golpe que podemos provocar em tais criminosos de organização: naqueles que provocaram os assassinatos a sangue frio de pessoas que queriam apenas ter uma noite de diversão, merecida, numa sexta-feira, em Paris; e em todos os outros que colaboram com o Daesh, vulgo “Estado Islâmico” (evitamos recorrer a esta expressão, porque esta realidade tenebrosa não é “Estado”, nem é “Islâmico”!).
4. Entendamo-nos: os atos do Daesh nada têm que ver com Deus, seja este Deus Alá ou o Deus cristão – quanto muito têm que ver com o Diabo. São atos diabólicos de gente que foi assaltada, em algum ponto da sua vida, pelo Diabo. Pelo mal. Pelo horror. Pelo pior da espécie humana. No entanto, o Daesh deveria ponderar um fator histórico, já que tanto gostam de agitar a história e a sua interpretação: o terrorismo, a barbárie e o terror foram, sempre, ao longo da história derrotados. O terrorismo nunca venceu – o terrorismo nunca vencerá.
5. Consumado o terror, importa estudar e preparar com exatidão a resposta dos países ocidentais e que prezam a liberdade ao Daesh. Para que a morte dos cidadãos inocentes ocorrida na sexta-feira não seja esquecida – para que a sua morte (ou o elogio da sua vida) seja sempre lembrada, e relembrada. Como? Evitando que outras vidas sejam dizimadas pelos terroristas, por atos irracionais de gente racional (ou atos racionais de gente irracional, instrumentalizada por uma máquina de poder especializada na “arte” do terror). A França já reagiu, intensificando os bombardeamentos sobre alvos específicos na Síria. Parece-nos uma decisão compreensível e mostra capacidade de decisão e reação, num cenário humanamente muito complexo: contudo, as ações militares deverão ser concertadas com os aliados da NATO e com os parceiros da União Europeia. Sob pena de não ser eficaz (ou tão eficaz como se deseja).
6. Duas notas derradeiras: primeiro, a estratégia de Barack Obama, quanto ao Síria, não tem sido particularmente acertada, preferindo o Presidente Obama não melindrar a Rússia e os interesses de Putin na região. Todavia, a resolução do problema da Síria passará, no curto, médio ou longo prazo, por uma intervenção mais “musculada” nesse país. Afigura-se quase inevitável: tal como o Senador John McCain antecipara já em 2013. Neste ponto, o Presidente Barack Obama deveria dialogar e beneficiar da sabedoria e experiência do prestigiado Senador republicano: nesta matéria, não interessam as divergências partidárias. Interessa, apenas, defender a liberdade coletiva e a liberdade individual de todos os cidadãos – e não há liberdade sem segurança.
7. Segundo: é preciso clarificar, de uma vez por todas, a posição da Rússia. Desconfia-se que Putin está a fazer jogo duplo: por um lado, apoia Bashar Al-Assad, militarizando-o e evitando qualquer clarificação política na Síria; por outro lado, Putin assume um discurso duro contra o Daesh, sobretudo após cidadãos russos terem sido vítimas de ataque terrorista. Veremos como se comporta a diplomacia russa – e esperamos que escolha o caminho virtuoso.