No meio de 200 mil títulos há mais momentos de companhia ou solidão?
Sente-se mais acompanhado e quando se sente perdido ainda é melhor. É sinal que ainda há várias coisas para fazer. Para quem gosta de trabalhar com papéis, livros e este tipo de material, mesmo quando se sente perdido, o que é raro, normalmente só acontece quando tenho muito que fazer durante várias semanas, e não tenho possibilidade de arrumar as coisas à medida que entram. Também é uma boa sensação; descobrem-se coisas que não sabemos que temos.
Apesar de saber onde cada um se arruma, os livros ainda o surpreendem?
Surpreendem. Entram muitos livros oferecidos e a pessoa tem sempre aquela ideia de que já tem tudo. É interessante verificar que isso nunca acontece. Há sempre cerca de metade dos livros que não se tem, e depois dessa metade há uma parte de 20% que nunca vi, e isso é ainda mais difícil. Apesar de tudo já me passaram milhares de livros pelos olhos. Tenho boa memória. Um arquivo e uma coleção desta natureza são interessantes quando se perde a noção das coisas individualmente, desde que elas estejam organizadas. Significa que quando consulto um dossiê e encontro coisas novas quando elas estão no sítio certo, também é uma surpresa. Tenho muito gosto em organizar estes materiais. Aprendo muita coisa.
Uma lição recente, por exemplo?
Há surpresas, como aconteceu com os documentos que o major Sousa e Castro trouxe. Formalmente era o seu arquivo, e veio numa carrinha completamente cheia. Quando os começo a ver, há uma parte u
importante que tem origem no conselho da revolução. Há um núcleo de Moçambique dos últimos anos da guerra colonial que não esperava encontrar. Admito que tenha a ver com o processo de saneamento do Kaulza de Arriaga. Sei, por exemplo, quantas garrafas de whisky a tropa requisitava por ano e é um número astronómico. E como sabemos que só eram bebidas pelos oficiais aquilo dá uma ideia da mentalidade e do comportamento. É uma coisa relativamente menor mas interessante.
Encontram-se grandes temas nos aspetos mais humildes?
Há as duas coisas. Por exemplo, esta correspondência amorosa que publicámos agora. À primeira vista é a coisa mais trivial. Toda a gente diz que tem em casa dos avós uma correspondência semelhante. Duvido. Primeiro, é muito extensa, cobre muitos anos, as duas partes estavam separadas. Depois a quantidade também é interessante para analisar a qualidade. Pode acompanhar todo um conjunto de comportamentos, de ordem sexual, de mentalidade. Tudo feito por uma costureira e um empregado de escritório, os portugueses invisíveis para a maioria das elites. Estava no lixo mas é muito relevante para estudar os costumes no tempo do Estado Novo através de camadas da populações que não são mediáticas. Prevejo lançar no próximo ano um volume sobre a propaganda anti Frelimo nos últimos anos da guerra colonial. As pessoas vão ficar surpreendidas, como eu fiquei, ao ver papéis, cartazes, lançados nas aldeias, com histórias individuais, e panfletos em árabe, o que nos dá uma ideia da diversidade cultural do norte de Moçambique. É uma coleção que se vai sempre distinguir por publicar fontes que são desprezadas ou não são recolhidas por ninguém. Uma das intenções é fazer uma história oral do edifício que foi quartel e foi escola. Estão vivas as pessoas que estudaram lá e a vida numa escola rural do interior é muito diferente do que podemos imaginar. Esta é uma terra com tradição republicana
As ruas estão cheias de referências.
Sim, de nomes de presidentes da primeira República. Aqui vivia um senador republicano proprietário rural, com muita influencia rural. Esta história oral também vai tratar das pessoas que estiveram presas, porque beberam de mais, porque roubaram laranjas. São histórias que fazem parte do tecido da terra e que vão ser associadas a um edifício particular, muito grande para a aldeia, central na história da Marmeleira.
Como é que os locais convivem com esta coleção?
Muito bem. Quando inaugurei este edifício convidei um número muito elevado de pessoas, vieram os operários, os pintores, trouxeram as famílias. Na primeira visita vieram umas 70 pessoas. Muitas vezes recebem amigos de fora e pedem para ver a biblioteca. As pessoas passam por aqueles espaços de forma diferente da que eu passo: ‘ah, a minha carteira era aqui’, ‘estive de castigo aqui’. É essencialmente o espaço. Há um contentamento por salvar uma parte da memória da terra, que estaria em ruínas. A crise bateu muito forte. Há inúmeras casas à venda por aí. É interessante porque algumas encontram um livro em casa ou uns papéis e vêm aqui oferecer. Às vezes os livros não têm especial valor, mas são todos recebidos como se fossem os mais valiosos do mundo.
Acolhe ou explica diplomaticamente que não se enquadram?
Não, não, entram como se fossem mesmo preciosos. E são os mais preciosos no sentido em que muitas vezes falamos de pessoas que têm dois ou três livros em casa. Às vezes têm um livro escolar do século XIX, comum, mas têm gosto em que fique aqui. Há um permanente fluxo de ofertas. As pessoas sabem que trato o que me oferecem da melhor maneira possível, que divulgo as coisas na internet, e que organizo os espólios maiores e ficam disponíveis para os investigadores. Recebo perguntas de quem está a fazer algum estudo. Quando o núcleo sobre o qual o investigador se interessa é pequeno dou-lhe prioridade na publicação do blogue, o Epheme, que tem um número elevado de visitas, com uma parte consistente de fora de Portugal.
Colaboram?
Por exemplo, quando há uma campanha eleitoral na Suiça, Irlanda, fotografam, percebem que materiais interessam, e enviam-me esse material. O aspeto físico é importante, peço sempre os papéis. Deve ser o único sítio em Portugal onde há material do palhaço Tiririca. Tenho até um grande cartaz dele. É um retrato das democracias. Há aqui materiais praticamente de todos os países europeus, coisas de África. Há, por exemplo, panfletos de Cabo Verde entre o 25 de Abril e a chegada do PAIGC, um período em que a vida política é ainda muito instável. São coisas bastante raras. Este arquivo é único. Depois tenho uma política de compras. Tenho comprado fotos de imprensa, espólios de jornais americanos.
Consegue estimar o investimento?
Não consigo estimar, mas é muito. Mas faço com grande contentamento. Por um lado, para mostrar que é possível fazer uma obra deste género, com o meu dinheiro, pelo meu nome, porque apesar de tudo as pessoas conhecem-me e com mais facilidade em oferecerem as coisas. Há também uma coisa única, os voluntários. Pessoas, algumas das quais não conheço, que numa manifestação em Figueiró dos Vinhos recolhem os papéis no final. Isso permite uma cobertura que ninguém tem. Passam a guardar e a enviar tudo. Neste momento já têm uma caixa das presidenciais para mim. Na cobertura das últimas autárquicas, atinge já 35 mil documentos de espécies diferentes, entre emblemas, brindes, apitos, cartazes. Ninguém faz esse trabalho. Na próxima campanha eleitoral, há um surto de visitas dos jornalistas para verem o que estava na campanha anterior. Recentemente publiquei um calendário do Lobo Xavier numa campanha do CDS já muito antiga, muito novinho. É uma espécie de arqueologia viva da vida política portuguesa.
Com mais motivos para desconforto que conforto?
Encontram os slogans, alguns dos quais incómodos. Estão aqui autocolantes do PP queixando-se que o escudo ia acabar, ou com um retrato de Portugal com o PSD e o PS com a indicação ‘vende-se’. Ou autocolantes contra Durão Barroso e contra mim próprio vestidos de Mao Tsé-Tung. São coisas que politicamente se tornam incómodas.
Ri-se muito durante as arrumações?
Ah, sim, vejo isto com grande ironia. Tem alguma graça. Mas não tenho aquela coisa dos tesourinhos deprimentes das campanhas, porque isto tem a ver com a democracia. A democracia é isto. A gente pode achar que é ridículo e parolo; há aqui coisas de um kitsch monumental, mas é assim que é a democracia. E mais, nos outros países também é.
Essa avalanche não diminuiu com o tempo?
Diminuiu. Há uma grande quebra com o digital. Desapareceram muitos panfletos mas muitas organizações como a CDU ainda publicam muitos. Os autocolantes estão em crise. Tem a ver com a mudança de costumes. As pessoas hoje não põe o retrato do seu candidato ao peito. E quando o põe nas arruadas, é engraçado vê-los a tirarem mal saem do grupo. Há mudanças no comportamento político visíveis pelos materiais. A decadência do plástico, os aventais, que eram muito comuns. A importância dos outdoors. É possível fazer a história da propaganda política desde o 25 de Abril. Por exemplo, nas últimas duas eleições autárquicas há um brinde muito comum no PS e no PSD: caixas de remédios.
Sinal de envelhecimento. Seria bom sinal oferecerem capas para telemóveis?
Exatamente. Isto não exista depois do 25 de Abril. Nas campanhas do Algarve há cinzeiros de praia, que é uma coisa que nem sabia que existia. Há coisas engraçadas. As campanhas do Mendes Bota, por exemplo. ‘Bota no Bota’ com um formato de uma bota. Canivetes. Ele tinha a tese que um homem alentejano gostava verdadeiramente de um canivete. Há toda uma história social e política que pode ser feita. Neste momento com os voluntários faço a cobertura das sedes no dia a seguir às eleições.
Para recolher os despojos?
Sei que no dia a seguir as coisas começam a ser deitadas fora. Outra coisa é a fotografia dos cartazes antes da chuva, são rapidamente destruídas. Mesmo alguns cartazes incómodos, como aqueles do PS que foram substituídos no começo da campanha, que tinham os desempregados no casting, consegui fotografá-los.
Tem algum dos seus com a Kalashnikov?
Aquele do ‘Pacheco a Presidente’ não tenho. Formalmente não se sabe quem fez. Não me faltou vontade de ir lá tirá-lo mas parecia que estava a tirar uma coisa que me incomodava, mas não incomodou nada. Diverti-me imenso com aquilo. Gostava de o ter. Mas há uma coisa com interesse u
político: saber quem o pagou e quem o colocou. Isso é que é interessante. Tenho algumas informações mas ainda não tenho a certeza integral. No dia em que saiba colocarei a público. O cartaz permanece anónimo mas alguém o fez.
Os livros ensinam que mais tarde ou mais cedo tudo se sabe?
Sim, em Portugal ninguém guarda segredos, é só uma questão de tempo. Até é interessante saber que até hoje se guardou segredo, portanto há ali alguma coisa que alguém não quer que se saiba. Em condições normais já se saberia que foi uma brincadeira. Não tenho nada aquela tese conspirativa que as pessoas às vezes têm. Na maioria dos casos as explicações são simples. Acho que a explicação para esse cartaz é simples e tem a ver com a tentativa de me apresentar com a ideia de um radical quando eu digo as coisas banais, que eram banais há dez anos e que hoje são consideradas radicais.
Por exemplo?
Que é preciso defender os direitos dos trabalhadores, haver justiça social, mecanismos distributivos, etc., que aliás era a base do programa do PSD. Enfim.
Cita muitas vezes Sá Carneiro. Que diria do Pacheco Pereira comentador?
Uma coisa posso dizer. Conheço bem o pensamento de Sá Carneiro, até pela circunstância de ter aí os seus papéis. É muito interessante ver como ele corrige os discursos. Nalguns casos há o original manuscrito, o primeiro original datilografado, o que leva para a assembleia e corrige em cima, e aquele que diz. Coloca sempre maior ênfase nas questões ideológicas à medida que aquilo vai avançando. A necessidade de afirmação de princípio é clara. Tenho aqui cartazes da fase inicial muito incómodos para o PSD. É um partido de centro esquerda. Autocolantes sobre a via pró-socialismo.
Eventualmente datado?
As pessoas dizem que era a linguagem de 74,75, mas não era. Sá Carneiro tinha uma clara noção. Nunca queria que o partido fosse situado à direita, é explícito, substantivo até à sua morte. E tem a noção de que é importante conjugar três elementos: a liberdade política, uma certa ideia da política da doutrina social da igreja, e a justiça social. Este arquivo revela que a tentativa de o PSD entrar na Internacional Socialista não é aspeto ocasional. Estão aqui documentos de encontros entre o partido trabalhista inglês, o partido social democrata alemão. Há um enorme esforço para entrar. Sá Carneiro tem uma ideia muito clara do que quer. É interessante ver quem adere ao partido nos primeiros dias. Se quiser fazer a história do partido em Trancoso, na Madeira, etc, tem aqui a primeira carta que um grupo de notáveis enviou. Vemos as profissões e são operários, marceneiros, lojistas, advogados, profissionais liberais. É feito por pessoas muito distintas da composição atual.
Não o imagina a ajustar-se e a integrar essas novas pessoas?
Não o imagino certamente a dizer que os portugueses se dividem entre os piegas e os empreendedores, nem a dizer que estar desempregado é uma oportunidade. Seria balístico se alguém dissesse essas coisas em nome do partido que ele fundou. Há componentes anti comunismo que são relevantes na história do partido, anti maçónicas, o que é relevante. Hoje uma parte relevante da direção do PSD está na maçonaria, que é uma enorme diferença em relação ao passado. Isso horripilaria os fundadores.
Sá Carneiro não teria votado no partido que fundou?
Não sei, tenho uma ideia mas não me arrisco a dizer. O seu pensamento é muito seguro, não tem grandes dúvidas. Sabe bem o que quer, as fronteiras, isso é incómodo para os dias de hoje. Não diz aquelas coisas só porque o vocabulário puxava à esquerda.
É fácil conhecer a linha que separa a determinação da teimosia?
Sim, conheci-o pessoalmente. Era do Porto, eu também. Encontrei-o umas vezes em livrarias. É um típico advogado burguês do Porto que poderia ser da oposição, e num certo sentido era da oposição, mesmo quando fez a experiência da ala liberal. Como típico burguês do Porto prezava a liberdade. Enquanto Lisboa foi sempre mais jacobina, radical, as bandeiras da liberdade no Porto eram as do tecido económico e social da cidade. Instituições como o Ateneu Comercial, as velhas lojas do Porto, a maioria das pessoas eram republicanos, da oposição. É uma tradição forte no Porto, uma cidade parecida com as da Liga Hanseática. Costumo dizer que o Thomas Mann se sentiria bem no Porto, parecida com Lubeck.
Com boas livrarias.
Excelentes livrarias e excelentes alfarrabistas. Foi uma coisa que aprendi com o meu pai, que me levava desde muito novo. Lembro-me bem da primeira vez que entrei num alfarrabista, que disse: ‘esta é a terceira geração de Pachecos dos livros’. Era, sim senhor. Ainda fui cliente dele até morrer. Havia grandes bibliotecas privadas. As pessoas morreram e foram vendidas. É sempre triste ver uma biblioteca ser vendida em leilão, despedaçada da unidade original, mas também é assim que se formam outras bibliotecas. Havia também um grupo de pessoas ricas, industriais dos têxteis ou advogados com bens, que compravam arte e arquitetura modernista. Eram muito conhecedores, compravam quadros e casas. Esse mundo cultural sólido que conheci bem é um mundo a que Sá Carneiro pertence, e que em parte desapareceu.
Há um momento em que percebe que está a começar a sua biblioteca pessoal?
Sim, vivi sempre dentro de uma biblioteca. A casa dos meus pais era já uma biblioteca, que vai comendo o espaço todo. Havia uma parte importante dos livros na cave, outra na zona nobre. Quis sempre que o meu quarto fosse na cave, porque podia ler até tarde. Fui um leitor voraz, quer em casa, quer na biblioteca pública do Porto. Um dia que se vá ver o registo manuscrito, verifica-se que ia lá dia sim dia sim. Li coleções inteiras; li a coleção Argonauta até ao 100; gostava muito de banda desenhada. Chegava a sair de casa para comprar o Cavaleiro Andante, que vinha de Lisboa, e era distribuído a determinado dia. Saía de casa, corria as tabacarias quase até à estação de São Bento onde chegavam os jornais. O meu pai e o meu avô usavam como fichas da biblioteca umas fichas grandes que eram produzidas pela tipografia do Teixeira de Pascoaes, chamada Marano. Lembro-me de lá ir comprar as fichas. Comecei a numerar os meus primeiros livros nessas fichas.
Quais eram?
Da editorial Inquérito, que tinha uma coleção com as biografias de Plutarco, e algumas poemas de Sófocles e de Ésquilo. Eram baratos. Teria uns 13, 14 anos. A partir daí foi sempre em frente. Depois fiquei com a biblioteca da família. Fiz um acordo com as minhas irmãs e fiquei com o grosso das coisas antigas.
Incluindo os livros proibidos guardados no ‘Inferno’.
Havia um armário fechado como mostrei chamado Inferno, uma velha tradição das bibliotecas, onde estavam os livros proibidos. Evidentemente, com a curiosidade, arranjei logo maneira de abrir as gavetas. Estava lá por exemplo um panfleto do Guerra Junqueiro chamado A Porra do Soriano, O Capital, do Marx, livros com desenhos eróticos de obras clássicas como O Asno de Ouro, de Apuleio.
Conseguiu preservar a vista com tantas leituras?
Ainda não preciso de óculos, embora precise de luz para ver. Algum estrago deve ter havido. Há uma expressão inglesa para leitores ávidos na adolescência: feeding the monster. Num certo sentido é isso, estamos a alimentar um monstro muito especial. Na altura somos omnívoros, lemos tudo. Desde que tenha livros, nunca tenho um momento de aborrecimento na vida. Não me lembro de ter livros, e ando sempre com eles, e de me aborrecer.
Já perdeu alguns?
Não me lembro de perder, tal como são raríssimos os casos em que compro duas vezes o mesmo livro. Às vezes acontece. Quando estou com pouco tempo, empilho-os, entram, depois não os vejo durante algum tempo, e compro o mesmo. Comprei dezenas de milhares na vida, é raro acontecer, talvez umas dez vezes. Também desenvolvemos uma memória especializada.
Como funciona a sua?
É uma memória das lombadas e das capas. É muito bom para o trabalho da história. A dada altura estamos a ler um documento e encontramos uma referência. Por exemplo, agora em dezembro vai sair o quarto volume da biografia do Cunhal, estou a ler um texto clandestino e de repente penso que já vi aquilo em qualquer sítio. Fazem-se ligações. Há um treino da memória. Quando se lida com milhares u de documentos, e neste caso não era possível fazer a biografia sem consultar milhares de documentos, acontece isto.
Chega-lhe este arquivo ou é obrigado a sair?
Sou obrigado a sair. Sobre a extrema esquerda posso fazer com o que tenho aqui, e é raro sair. Com o PC não, é um grande produtor de materiais por toda a Europa. Neste livro uso materiais do FBI que aliás tem coisas interessantes sobre Cunhal. Mas não posso prescindir dos papéis dos arquivos romeno, francês, russo, de papéis particulares.
Os seus níveis de organização conseguem bater os das organizações mais sofisticadas?
Aqui sabe-se de tudo [risos]. Uma vez que aqui entram os papéis. Pode parecer caótico mas está tudo arrumado interiormente.
Onde se situam os seus livros?
Encontram-se numa estante junto do sitio onde trabalho e alguns exemplares repetidos para oferta noutro lado. Aqui há uma estrutura reconhecível e o blogue funciona como a ponte. Faço uma entrada no blogue e coloco uma tira na pasta.
Tanto recebe aqui populares como figuras de relevo, casos de Cavaco Silva, Mário Soares, Ramalho Eanes. Tem reações curiosas?
Imensas. A pergunta clássica de quem não lê muito é: ‘já leu estes livros todos?’. Eu explico que não é possível ler mais que quatro mil ou cinco mil livros. Agora, posso dizer que não há um único livro na estante que eu não tenha folheado e alguns que tenha consultado um capítulo ou assim.
Não vive com a angústia pessoana da falta de tempo.
Não, até porque só leio coisas que já sei que são importantes, a não ser as de que preciso para trabalho. Por exemplo, não leio grande parte da literatura portuguesa contemporânea a não ser quando sobrevive cinco ou seis anos e ainda se continua a falar do livro. Claro que perco alguma coisa mas não tenho tempo para tudo. Já li 50 romances de Balzac, Ovídio, Dante, Victor Hugo. Essa base eu tenho.
Qual é a sua maior lacuna?
Do ponto de vista do saber é a matemática. Nos livros não há, nos canónicos li quase tudo. Talvez alguns aspetos da literatura do teatro. Há muita coisa que me escapa, mas de resto li o essencial. Conheço o suficiente. Se me pedirem para falar uma hora sobre literatura russa sou capaz de falar sem vergonhas. l