Governo António Costa: José Sócrates, sempre!

1.António Costa – o malabarista mor do regime político português – fez saber os membros do seu executivo (que perdeu as eleições: nunca é de mais recordá-lo), poucas horas após receber a indigitação (ou indicação) de Cavaco Silva como primeiro-ministro. Novidades? Só uma: a de Francisca Van Dunem para ministra da Justiça, embora nos círculos…

2.Efectivamente, o novo Governo do extremo-PS é mais do mesmo – no essencial, é composto por pessoas ligadas ao círculo íntimo de António Costa. Em vez de abrir, Costa preferiu fechar – não dá espaço a correntes alternativas de pensamento de dentro do seu partido (com duas excepções provenientes do segurismo), muito menos foi buscar gente conotada com a esquerda comunista ou bloquista. Em vez de preferir o mérito, o talento e a habilidade política e técnica – António Costa preferiu dar mais peso à amizade, à retribuição política e ao incentivo à fidelidade ao líder do extremo-PS. São opções – um sobrevivente político, como António Costa é, não tem alternativas, senão atuar mesmo como um sobrevivente, ou seja, fazer os possíveis e os impossíveis para converter derrotas em vitórias, fraquezas em forças, contestação ao líder em aclamação permanente do líder. Na marotice, na esperteza de virar a realidade a seu favor, António Costa é um génio.

3.Nas redes sociais, o que mais tem impressionado os portugueses é a defesa dos valores familiares deste Governo de António Costa: nunca a defesa da família foi tão pungente na democracia portuguesa. Depois de aprovar a adopção por parte de casais gay, depois de defender as famílias monoparentais – António Costa decidiu promover os governos familiares monopartidários. Nós até propomos que, na próxima Consoada, Costa e os seus ministros acendam a lareira em São Bento – e sirvam o peru na mesa do Conselho de Ministros. Todavia, tal não consubstancia a violação de um dever de urbanidade política, de transparência ou de verdade política: trata-se apenas de um facto político pitoresco.

4.Com efeito, este Governo é mais progressista do que qualquer outro em matérias familiares – com o novo Governo de António Costa, está tudo em família. O ministro-Adjunto é Eduardo Cabrita (aquele que não deixava Paulo Núncio falar no Parlamento, lembra-se?) que é casado com a ministra do Mar (Ana Paula Vitorino – aquela que colaborou com Mário Lino, o actual motorista oficioso de José Sócrates – e teve de explicar várias decisões políticas relacionadas com o novo aeroporto de Lisboa e contratos de PPP’s lesivas para os cofres públicos). O ministro da Solidariedade Social é Vieira da Silva que, por sua vez, é pai da secretária de Estado Adjunta do primeiro-ministro, Mariana Vieira da Silva. Nunca duas famílias estiveram tão unidas no mesmo Governo.

5.Atenção: tais personalidades estão certamente no Governo por mérito próprio. Pelas suas valências pessoais – sendo a sua ligação familiar um mero detalhe ou “acidente” biológico. Realçamos, no entanto, que é um facto político curioso: nunca um primeiro-ministro se atreveu a integrar, tão declaradamente, marido e mulher, pai e filha, no mesmo Governo! Ainda para mais, sendo um Governo de um partido que perdeu as eleições – sendo, por conseguinte, exigível um sentido mais apurado de sensatez, responsabilidade e prudência política. Mas não: o primeiro-ministro é António Costa. E António Costa é o único político em Portugal que pode tudo. Nada do que faz é criticável: tudo é genial. Tudo é brilhante. Claro. Realçamos: isto não significa que estes membros do Governo não venham a ser sérios e comprometidos com o interesse público. Porventura, serão os membros mais competentes do Governo costista – é apenas um facto divertido e que mostra a coragem provocatória usual do novo primeiro-ministro…Sim, porque isto não passa de uma provocação política – resta saber se ao centro-direita, se aos portugueses.

6. Por último, de facto, este Governo de António Costa marca o regresso de uma parte do núcleo duro do Socratismo: Vieira da Silva, Augusto Santos Silva, Pedro Marques e vários secretários de Estado, com destaque para Miguel Prata Roque (o mais badalado até agora). O caso de Miguel Prata Roque tem sido particularmente escalpelado, revelando o CM e o SOL que este Professor da Faculdade de Direito (competente docente e um jurista com mérito) é o advogado mediaticamente oculto de José Sócrates. Mais: ontem mesmo, Miguel Prata Roque esteve a defender, no Tribunal Cível Lisboa, José Sócrates no processo conhecido como “mordaça” ao CM.

7. Com a estima que tenho por Miguel Prata Roque, limitamo-nos a deixar aqui duas notas, em jeito de conselho:

i) Prata Roque tem todo o direito de admirar José Sócrates (ter gostos discutíveis e incompreensíveis também é um direito democrático inato a uma sociedade política pluralista) e de o defender enquanto advogado. Contudo, ao se assumir como defensor de José Sócrates, Miguel Prata Roque deveria abster-se de intervir activamente, pelo menos na linha da frente, na vida política nacional. Ou política – ou defender Sócrates em Tribunal. Misturar as duas funções dá um ar, porventura muito injusto, de promiscuidade, de confusão de papéis;

ii)Prata Roque, que já sabia que iria para o Governo quando se deslocou ao Tribunal para representar José Sócrates em acção contra o Correio da Manhã, deveria ter delegado essa tarefa num dos seus colegas de escritório. Porque estamos a falar de uma acção que os portugueses já conhecem como o processo da mordaça à comunicação social – tem uma incidência política clara. Ora, Miguel Prata Roque vai ser Secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros, um dos membros do Governo que mais lida com a comunicação social. Como será: Prata Roque vai prestar declarações ao Correio da Manhã – ou mantém a posição de não falar para esse órgão de comunicação social em protesto? E, no final de cada reunião do Conselho de Ministros, quando Prata Roque falar, os jornalistas poderão questioná-lo sobre os desenvolvimentos do caso Sócrates? Onde acabará o defensor de José Sócrates – e começará o político, secretário de Estado? E se a decisão final do juiz for no sentido de que José Sócrates não tinha razão – o Correio da Manhã está a apenas a exercer o seu direito de informação e liberdade de imprensa, como sustenta uma parte substancial dos especialistas em Direito Penal? Não ficará Prata Roque – o cérebro da acção de Sócrates contra o Correio da Manhã e todas as publicações da Cofina – também politicamente fragilizado? Prata da Roque devia ter ficado como advogado de José Sócrates, recusando o convite para integrar o Governo. Ou querendo ir para o Governo, deixar a defesa de Sócrates atempadamente…

8. Engraçado: quando se soube que João Calvão da Silva escreveu um parecer a defender a idoneidade de Ricardo Salgado, Prata Roque e os socialistas gritaram furiosamente protestando pelo facto de Passos Coelho ter escolhido uma personalidade com este activo tóxico no currículo – mas ser advogado de José Sócrates contra a comunicação social, aí já não há problema algum. Aí já é tudo normal. Dois pesos, duas medidas. Sempre em benefício de António Costa – sempre em prejuízo do centro-direita… A nossa elite tolera tudo aos socialistas – condena tudo o que vem dos não-socialistas. Assim, não vamos longe…

9.Note-se no entanto, que atendendo à ministra da Administração Interna, ao ministro do Ambiente e até ao ministro das Finanças, devemos dar o benefício da dúvida ao novo Governo. A bem de Portugal, até porque não temos alternativa….

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