O cão treinado para detetar explosivos aproxima-se de um dos tabuleiros de plástico retangulares alinhados no chão do aeroporto. Ali cada passageiro colocara a carteira, a pasta ou a bagagem que vai levar para a cabina do avião. Com o focinho, o animal vasculha dentro da caixa cinzenta procurando o cheiro de explosivos. Dá uma volta e depois é conduzido pelo agente de boina encarnada até ao próximo tabuleiro.
Os passageiros surpreendidos assistem à operação, ficando obrigatoriamente a um metro e meio de distância do tabuleiro com a sua bagagem. Seguem com curiosidade e gestos nervosos as manobras do pastor belga. Quando o animal termina a ronda sem dar qualquer sinal ao agente, a polícia manda os viajantes seguirem em direção à porta de embarque.
Desde os massacres de Paris que no Aeroporto da Portela, em Lisboa, a fiscalização de explosivos na bagagem de cabina é feita de forma intensiva a quem viaja para países críticos, como França, Alemanha ou Inglaterra e nos voos de certas companhias aéreas como é o caso da Turkish Airlines, sabe o SOL.
«Nunca tinha visto este tipo de buscas com cães», admite Francesca, de 54 anos, que, na tarde de terça-feira, se preparava para voar para Hamburgo, na Alemanha, quando foi sujeita a este controlo extra depois de passar pelo segundo posto de raio-x e deteção de metais. «São medidas de segurança e isso é importante», diz a mulher, que regressa com o companheiro à Alemanha, depois de dez dias de férias na Madeira.
Os aeroportos nacionais foram considerados um ponto crítico de ameaça terrorista após os atentados de dia 13. Na Portela, a segurança da PSP já foi reforçada duas vezes. A primeira ocorreu logo nas horas seguintes à onda de ataques que mataram 130 pessoas na capital francesa: houve um aumento da vigilância em certos voos e do policiamento feito pelos agentes da PSP no interior, mas também na pista e no perímetro exterior do aeroporto que se estende por 13 quilómetros.
O segundo reforço deu-se com a entrada em ação dos agentes da Unidade Especial de Polícia, que na semana passada vieram apoiar a atuação dos 263 efetivos que integram a Divisão de Segurança Aeroportuária da PSP, em Lisboa. Além de fazerem o rastreio com cães para detetar explosivos na bagagem de mão, os agentes também usam os animais para controlar as malas que vão no porão.
As equipas da Unidade Especial também passaram a patrulhar as zonas mais frequentadas da aerogare, de onde partem quase 200 aviões por dia.
Com coletes à prova de bala e armas automáticas ao peito, os agentes de boina preta estão espalhados pelo aeroporto. Andam sempre dois a dois percorrendo o átrio das partidas, a zona de check in e o terminal de chegadas. «A ideia é fazer um policiamento ostensivo, que tem um efeito dissuasor e previne os crimes», explica ao SOL o comandante da Divisão de Segurança Aeroportuária da PSP, Dário Prates.
Mais documentos falsos
Os atentados também obrigaram o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) a apertar o controlo nos aeroportos nacionais. A fiscalização aumentou para os viajantes que partem ou chegam de países do espaço Schengen, com os funcionários a verificar documentos e a cruzar informação nas bases de dados internacionais.
E, neste momento, os serviços estão a apanhar dois passageiros por dia com passaportes ou documentos de identificação falsos, revelam os dados avançados ao SOL pelo SEF.
Foram detetados 28 casos deste crime em 13 dias, entre 9 e 22 de novembro, revela o levantamento provisório já efetuado por aquela autoridade. Um número que duplica a média dos meses anteriores registada pelo SEF: desde janeiro, e até dia 9 de novembro, foram sinalizados 340 passageiros com documentos fraudulentos, ou seja, um por dia.
Nestes casos, a entrada em Portugal é imediatamente vedada. E se a fraude for cometida por quem tenta deixar o país, o passageiro é detido e conduzido a um juiz, que decreta as medidas de coação a aplicar, enquanto decorre a investigação.
Um aeroporto ‘escondido’
Se parte do reforço da vigilância é feito às claras pelas autoridades policiais, há toda uma segurança invisível que passa despercebida aos viajantes. Há elementos dos serviços secretos dentro do aeroporto e também agentes da investigação criminal da PSP, vestidos à civil, que se confundem com os passageiros.
E por trás das enormes áreas comerciais de free shop existe um aeroporto ‘escondido’, onde apenas pessoal autorizado pode circular e ao qual se chega por passagens de acesso reservado.
Só com cartões de identificação pessoais é possível abrir as portas e entrar nos corredores de paredes brancas que desembocam num átrio de elevadores e alguns metros à frente numa escadas de mosaico cinzento que dão acesso aos vários pisos.
É este o caminho para chegar a um dos locais mais restritos do aeroporto, o «coração» das operações da PSP na Portela: o Centro Operacional de Segurança Aeroportuária (COSA). Uma sala onde 18 grandes ecrãs na parede vão passando imagens captadas por mais de mil câmaras de vigilância espalhadas pelo interior e exterior do aeroporto e pela pista de aterragem.
É ali que estão «os olhos da PSP», explica o chefe Martins, coordenador do COSA, que, sentado em frente a monitores de computador, vai selecionando os locais que quer visualizar nos ecrãs na parede. É neste novo espaço que se concentram, desde janeiro, as câmaras de vigilância, a central de comunicações rádio e a central telefónica da PSP. «Agora se houver um incidente nas imagens e quiser alertar os agentes por rádio basta comunicar para o lado», diz o responsável, explicando que fica assim garantida uma resposta mais eficaz.
As imagens recolhidas 24 horas por dia permitem acompanhar em direto a resposta dos agentes a incidentes. Outra vantagem é a de permitir reconstituir rapidamente os passos dos passageiros, resolvendo uma das maiores dores de cabeça da PSP na Portela: os objetos abandonados que podem ser uma ameaça de atentado. Dos 46 casos suspeitos este ano, a maioria foi resolvida com a visualização das imagens.
Mas noutros 15 as gravações ajudaram a confirmar que as suspeitas eram sérias, obrigando em certos casos ao encerramento de áreas dentro do aeroporto até se afastar o risco. «A mais complicada foi a de um carro alugado, abandonado junto ao terminal de chegadas e com uma caixa de madeira no interior», recorda Dário Prates, dizendo que a operação obrigou à interdição da área e ao uso das equipas de deteção e inativação de explosivos.
Mas naquela que o Ministério Público acredita ter sido a primeira tentativa de atentado no país de um radical ligado ao Estado Islâmico, no ano passado, foram dois funcionários do serviço de handling a dar o alerta. Foram eles que, na noite de 3 de julho, detetaram um estranho na pista do aeroporto junto a um avião da companhia angolana TAAG e chamaram a PSP. Este homem, o angolano com passaporte holandês Gima Calunga, está desde a semana passada está a ser julgado em Lisboa, acusado de querer sabotar a aeronave.
O agente L. foi um dos três PSP que responderam ao alerta nessa noite. «O suspeito estava no meio da placa e eu revistei-o. Tinha uma faca enorme escondida nas costas, presa no cinto», conta o agente que lhe retirou a arma com 21 centímetros e o levou algemado para a esquadra da PSP. «Primeiro fez-se de maluco» e depois admitiu que era angolano com passaporte holandês e deu indicações sobre a pensão onde estava hospedado. «O passaporte que trazia levantou suspeitas de terrorismo por causa dos carimbos [que apontavam viagens a países como a Síria]», adianta, por sua vez, o chefe Silva, da mesma equipa e que é testemunha do caso em tribunal.
Certo é que Gima Calunga conseguiu saltar as redes e entrar na pista da Portela, mantendo-se escondido durante um dia sem ser detetado.
Mas, para Dário Prates, o caso é paradigmático da forma inteligente como a segurança dentro do aeroporto é construída. «Aqui a segurança funciona por camadas e todos os funcionários estão atentos, para evitar falhas», diz, acrescentando que todos os que trabalham na Portela, desde as empregadas de limpeza até ao pessoal da manutenção, têm formação em segurança e sabem como atuar perante pessoas não identificadas. «Foi o que fez o pessoal do handling: deu o alerta perante um caso suspeito».
