Macri, de 56 anos, parece sinalizar a baixa-mar de uma ‘maré rosa’ na América Latina. O conservador, que toma posse a 10 de dezembro, vai liderar a segunda maior economia da região. Embora acusado durante a campanha de querer levar o país de volta ao “capitalismo selvagem” – pelo candidato derrotado e delfim de Kirchner, Daniel Scioli –, já prometeu que esse não será o caminho.
Na primeira conferência de imprensa como PR eleito, Macri pediu: “Não me deixem sozinho”. Se os opositores – os peronistas dominam o Congresso – preveem que irá proteger os privilegiados em detrimento das classes desfavorecidas, Macri garantiu que não vai reverter as nacionalizações empreendidas nem cortar no financiamento de setores-chave como saúde e educação. Mas quer atrair investimento estrangeiro, num país onde a inflação supera os 20% e os cofres se esvaziaram à conta do acesso vedado aos mercados internacionais, por causa de sucessivos incumprimentos. “Temos de estar presentes no mundo”.
Menos protecionismo, sim, menos retórica anti-americana, certamente. E isso começa com o balde de água fria à Venezuela. Nicolás Maduro, aliado de Kirchner, perdeu o apoio de Buenos Aires em cima das eleições legislativas de 6 de dezembro. Macri não vai tolerar os “abusos dos direitos humanos” e a “perseguição de líderes da oposição” na Venezuela e quer suspender Caracas do bloco económico regional Mercosul, que tem cimeira agendada para 21 de dezembro – o que vai gerar divisão e incómodo entre os líderes.
Também quer rasgar o memorando de entendimento com o Irão, sobre um atentado bombista de 1994 num centro hebraico em Buenos Aires. O documento previa uma comissão dos dois países para investigar o caso. E o procurador Alberto Nisman já tinha acusado Kirchner de o ter assinado a troco de negócios com Teerão, para branquear o papel iraniano no caso. A então PR negou. Nisman apareceu morto no início do ano.
Socialite, vítima de sequestro e presidente do Boca Juniors
Nascido no privilégio – o pai, imigrante italiano, fez fortuna na construção e expandiu o Grupo Macri –, Mauricio, engenheiro civil de formação, tinha o destino na folha de pagamento paterna. Presença em revistas del corazón, bigodudo, de fato e gravata (acessórios que mais tarde abandonou), casado com a filha de um piloto de automóveis, tinha 32 anos quando foi raptado, enfiado num caixão e levado para parte incerta durante 12 dias. “Quando abriram o caixão, respirei profundamente o mais que consegui”, citou o New York Times. “Já não tinha certeza de nada, nem sequer se viveria mais um dia”. O pai pagou o resgate milionário que lhe devolveu a vida.
Ainda satisfez olhares voyeuristas com o segundo casamento, com uma modelo, uma relação desgastada pelo salto profissional de Macri: ingressar no mundo da bola, ao leme do Boca Juniors. O clube do bairro porteño de La Boca (e do coração de Diego Maradona) conheceu sucessos sob regência Macri, de 1996 a 2008, e Macri ganhou nome e ambição. Primeiro com o Compromisso para a Mudança, embrião da Proposta Republicana (Pro), do centro-direita. Pelo Pro conseguiu chegar a deputado em 2005 e tornou-se presidente da Câmara de Buenos Aires dois anos mais tarde, sendo reeleito no cargo: abria caminho para as presidenciais, com a coligação Mudemos.
Ao lado da terceira mulher, a designer Juliana Awada, com quem está casado desde 2010, humanizou-se na campanha. De camisa desfraldada, cantava, dançava e partilhava episódios como aquele em que ia ia morrendo por causa do vocalista dos Queen, quando engoliu o bigode farfalhudo que lhe compunha o disfarce. É fã confesso de Freddy Mercury o novo inquilino da Casa Rosada.