Tribunal rejeita fazer ‘controlo sistemático’ de notícias sobre caso Sócrates

Não cabe aos tribunais fazer “um controlo sistemático” e preventivo das notícias que os órgãos de comunicação social publicam. Este é, em síntese, o argumento principal que levou o Tribunal Cível de Lisboa a indeferir a ação que a jornalista Fernanda Câncio colocou contra seis órgãos de comunicação social, entre os quais o SOL e…

A decisão de absolver os órgãos de comunicação social visados – o CM, a CMTV, a Sábado e a Flash!, além do i e do SOL — foi tomada hoje pela juíza titular do processo, Tânia Sousa Carrusca.

Na sentença, a magistrada começa por considerar que a forma de processo usada pela jornalista – uma ação especial para proteção de direitos de personalidade – não é o meio adequado nesta situação. O Tribunal teria de analisar as notícias, se estas resultaram de investigação jornalística ou de provas nos processos, e avaliar o respetivo interesse público, algo que não seria simples nem rápido, ao contrário do que é obrigatório e se pretende nas ações especiais para tutela da personalidade.

Depois, salienta que “este pedido colide frontalmente com os mais elementares direitos, quer da liberdade de expressão quer da liberdade de imprensa” consagrados na Constituição: “Está constitucionalmente vedado qualquer ‘controlo sistemático’ dos conteúdos de um texto escrito, oral ou imagem, realizado por uma instituição exterior aos meios de comunicação visando impedir a publicação ou a respetiva divulgação”.

Seria censura

“O que a requerente pretende com o pedido formulado e da forma como está formulado é praticamente um controlo a priori e antecipatório das notícias a publicar por aqueles órgãos de comunicação social, cumprindo ao Tribunal (em caso de procedência do pedido) escrutinar a cada passo a atividade destes órgãos de comunicação social e as notícias publicadas, averiguando se se inserem ou não dentro dos requisitos que a autora (Fernanda Câncio) define como bons” – salienta a juíza.

Invocando notícias anteriormente publicadas pelos órgãos visados – no caso do SOL, a viagem e estada num complexo de luxo em Formentera, com José Sócrates, que o Ministério Público considerou relevante para a investigação –, a jornalista alegava que o seu direito à imagem e à vida privada tem sido sistematicamente violados. E pedia que o Tribunal decretasse que ficassem “proibidos de noticiarem quaisquer factos respeitantes ao relacionamento pessoal com José Sócrates, nomeadamente quaisquer conversas mantidas entre os dois, de que não resulte qualquer relevância penal, e cujo registo se encontre nos autos de qualquer processo judicial por força de terem sido determinadas interceções telefónicas aos telefones da autora (Fernanda Câncio) ou de José Sócrates, por decisão judicial, bem como cartas, emails, mensagens de telemóvel, fotografias e/ou filmes, autores de vigilância e conversas telefónicas”.

Para o Tribunal, “o pedido está formulado de modo tão genérico (…) que poderia vigorar indefinidamente e nele se poderiam incluir factos de relevante interesse público e fruto da legítima atividade investigatória jornalística”, inclusive factos “até futuros”. E acrescenta que se cairia numa situação em que, se a pretensão fosse deferida, outros media poderiam noticiar factos que o SOL, o i, o CM, a CMTV, a Sábado e a Flash! não poderiam.

Tal não significa que a liberdade de expressão não esteja sujeita a regras e limitações, conclui a juíza, mas isso tem de ser alvo de “uma apreciação posterior pelos tribunais das eventuais infrações cometidas”. Por isto, absolve todos os réus.