‘Os rankings apenas medem a febre, não dizem qual é a doença’

Já foi ministro da Educação, no Governo de Durão Barroso, e defende os rankings das escolas por terem dados estatísticos essenciais. Mas alerta que é preciso ver para lá dos números e fazer uma análise social mais aprofundada.

Temos já 15 anos de publicação de rankings das escolas. Continua o mesmo entusiasta?

Claro que sim, até porque é um direito do cidadão ter acesso aos dados produzidos pela administração pública. Não podemos é olhar para eles como uma espécie de solução para os problemas da educação. Imaginando que os rankings acabavam, contávamos sempre com os rankings socialmente construídos, ou seja, teríamos sempre as famílias mais informadas, que continuariam a ter a noção de quais são as escolas mais atrativas. Assim, e com os rankings atuais, essa informação não é privilegiada, mas sim disponível para toda a gente.

Os pais usam os rankings como ferramenta para escolher as escolas dos filhos?

Não tenho dúvidas. Temos um número cada vez maior de pessoas informadas sobre o desempenho das escolas e, por outro lado, temos as escolas a apropriarem-se dessa informação e a usá-la como ferramenta para melhorar resultados.

Os dados chegam em bruto à comunicação social. Concorda com a forma como  essa informação estatística é tratada?

Estabelecer uma classificação é a forma mais simples e aquela que é mais acessível para o cidadão. Mas atenção, não é por saber que tenho 38 graus de febre que isso me diz qual é a doença. Os rankings apenas medem a febre, não dizem qual é a doença. É um indicador que tem que ser completado com outras informações. Mas é por isso que deitamos o termómetro fora? Claro que não.

O que é que de mais importante fica fora dos rankings?

Uma análise mais fina e aprofundada. Por exemplo, saber a longo prazo como é que as escolas evoluem, saber porque é que há escolas com os excelentes resultados a português e péssimas notas a matemática. Também era importante fazer o cruzamento entre as notas e outros fatores, como a dimensão das turmas ou as condições da escola. Além disso, é importante lembrar que metade da explicação para os bons e maus resultados está relacionada com a origem social dos alunos. Está mais do que provado que a formação dos pais é um  fator essencial. Já há estudos que mostram quais são as escolas que acrescentam valor. 

Mas há escolas, como Ponte da Barca e Caminha, com alunos de famílias socialmente fragilizadas, que apresentam ano após ano melhores resultados.

Há escolas que fazem milagres. As escolas sabem onde estão os pontos fortes e os fracos e vão fazendo mudanças de forma a obter melhores resultados. Se formos a ver, hoje as escolas têm uma cultura organizacional muito diferente da que existia há 15 anos. Dantes o que contava eram as boas intenções, mas rapidamente se percebeu que só isso não chegava. É preciso mostrar resultados.

O facto de o público nunca estar em lugares cimeiros deve-se a alguma inércia das escolas?

O problema das escolas públicas e escolas privadas é um falso problema, porque o que interessa é saber o que são boas e más escolas, independentemente de serem públicas ou privadas

E as que aparecem no topo são realmente as melhores?

Não sei se são as melhores, mas pelo menos são aquelas em que os alunos têm melhores resultados. Uma escola melhor é aquela que contraria o determinismo social e que melhora a cada ano, independentemente da sua posição no ranking.

Mas admite que os estabelecimentos privados têm ferramentas que os públicos não têm.

Claro, por isso é que considero esta comparação injusta. O que temos que pensar é o que aconteceria se uma escola pública tivesse os mesmos recursos que uma privada.

Qual seria o resultado?

Não sei, mas era interessante ver isso. Se já têm bons resultados sem terem as mesmas ferramentas, imagine se tivessem.

Ao fazer o paralelismo entre público e privado, os rankings aproximam as duas realidades ou aumentam o fosso entre elas?

Comparar público e privado é o mesmo que comparar uma corrida entre uma pessoa limitada na sua mobilidade e um atleta. O que sabemos é que as instituições privadas se adaptaram melhor aos rankings do que as escolas públicas, porque têm uma maior autonomia de gestão. Lembre-se que os privados até os professores podem escolher. Estou convencido que se as escolas públicas tivessem mais autonomia e maior capacidade de formar e escolher os seus professores teriam um excelente desempenho.

Em termos estatísticos, o que mudaria nos rankings para os tornar mais justos?

O problema não está nos rankings, mas sim na forma como nós os lemos. A ideia de que a mesma informação gera sempre o mesmo resultado não é verdade. Pensamos que tudo o que é estatístico é valor absoluto mas isso não é verdade.  Pegando na metáfora de há pouco, 37,5 graus pode ser febre para uns e não para outros. 

O relatório do Conselho Nacional de Educação do ano passado alertava para o caso das escolas que inflacionavam a nota para não prejudicarem a sua posição global. Há forma de controlar esse fenómeno?

Aí está outra coisa que só sabemos devido aos rankings. Quando a relação entre a nota interna e a nota de exame sai fora dos padrões normais, é facilmente detetado a nível estatístico.

Mas com os casos identificados, o que pode ser feito?

Sei que o ministério já atuou junto de algumas escolas, mas a verdade é que este problema está identificado desde 2005 e é curioso ver que os estabelecimentos identificados há dez anos continuam a fazer parte da lista atual, à qual se foram acrescentando novas escolas. Mas prefiro não levantar autos de fé na praça pública sobre esses estabelecimentos. 

Acha possível um dia termos uma escola pública a liderar o ranking?

Não sei se o objetivo é esse. O facto de se obterem bons resultados não quer dizer que se tenham bons processos para se terem esses resultados. Aliás, acabamos de falar de casos de escolas que inflacionam as notas e que não dão um bom exemplo. E, como já disse,  as escolas públicas não podem escolher alunos nem professores. Se pudessem provavelmente estariam em primeiro lugar. 

‘Fechar escolas não reduz a despesa’

A Educação perdeu 1.300 milhões de euros desde 2012. O ex-ministro da Educação teme que a despesa regresse com a reposição dos salários.

Na Educação, as contas dos últimos anos são de subtrair: menos escolas e menos professores. Com estas alterações, a despesa do Estado com o setor caiu quase 1.300 milhões de euros em três anos (2012, 2013 e 2014), segundo dados de uma auditoria do Tribunal de Contas revelada esta semana. David Justino vai mais a fundo na análise e refere que dois terços da redução do orçamento do Ministério devem-se à redução dos salários e um terço a ganhos de eficiência – ou seja, corte de professores, fechos de escolas e revisões curriculares.

Numa comparação que começa no ano letivo de 2009/2010, o sistema da educação pública encerrou 2.503 escolas (menos 30%) e reduziu 33.695 professores (menos 23%). No mesmo período, desapareceram do sistema 108.932 alunos (cujo total fixou-se em em 1.203.162), fenómeno explicado pela extinção dos Centros Novas Oportunidades.
Apesar do fecho de escolas ter sido uma das medidas com maior impacto a nível nacional, para David Justino não traz vantagens imediatas. «Fechar escolas não reduz a despesa com a Educação», sublinha. «Só se reduz a despesa quando por cada professor que se reforme não haja uma entrada correspondente». O problema, segundo o ex-governante, é que mesmo esta medida representa apenas um terço do total da despesa. «O resto vai acabar por ser reposto quando os salários o forem também», acrescenta.

A redução do número de professores nos últimos quatro anos foi parcialmente compensada apenas no último ano letivo com o primeiro aumento do número de docentes, devido à admissão de mais contratados. São suficientes? «Conforme os objetivos», considera David Justino, dando um exemplo: «São poucos, se quiséssemos aumentar o número de disciplinas ou o apoio a quem tem dificuldades de aprendizagem. E estão a mais se continuarmos a ter turmas mistas».