Um candidato sem opiniões?

Todas as intervenções políticas de Marcelo Rebelo de Sousa vão num sentido: não se comprometer com coisa nenhuma.

Quando um jornalista lhe faz uma pergunta, Marcelo olha para ele como se implorasse: «Não me comprometa!».

Marques Mendes, no seu comentário dominical, dizia um dia destes que a «direita inteligente» já percebeu que Marcelo não podia comprometer-se com a coligação PSD/CDS e tinha de falar para o centro-esquerda.

O raciocínio era óbvio: como a coligação de direita teve 38,6% dos votos nas legislativas, se Marcelo se comprometesse com ela não chegaria aos 51% necessários para chegar a Belém.

Mas, vistas as coisas assim, uma candidatura à Presidência da República torna-se um puro exercício de tática política.

Ora, uma pessoa candidata-se a Presidente para quê?

Apenas para ser eleito, custe o que custar, e depois logo se vê?

Ou um candidato avança em nome de valores e de princípios em que acredita?

E é isso que me perturba na candidatura de Marcelo Rebelo de Sousa: em nome de que convicções, de que princípios e de que valores ele se apresenta?

Até hoje, os candidatos presidenciais tinham um perfil ideológico e tinham objetivos: Eanes candidatou-se em nome do regresso dos militares aos quartéis, Soares em nome de uma democracia de rosto europeu, Sampaio em nome de uma esquerda convicta, Cavaco em nome do rigor e da autoridade do Estado.

E Marcelo candidata-se em nome de quê?

Nas suas intervenções públicas, Marcelo oscila entre o professor e o cidadão comum.

O professor, quando disserta, por exemplo, sobre os poderes presidenciais; o cidadão comum, quando diz que será um Presidente próximo das pessoas.

Ora, um Presidente da República não deve ser nem uma coisa nem outra.

Não deve ser um cidadão comum, porque deve estar um degrau acima do conjunto dos cidadãos. O poder tem símbolos que não devem ser desprezados.

E não pode ser um professor, nem sequer um árbitro: um Presidente da República deve ser um estadista, uma referência, um exemplo, um símbolo de autoridade.

Além disso, Marcelo tem caído demasiado na tentação de criticar Cavaco Silva.

Eu sei que está muito na moda fazê-lo.

Mas, por isso mesmo, um candidato presidencial deveria evitá-lo.

Até porque essas críticas a Cavaco contrastam gritantemente com a ausência de opiniões em quase todas as outras matérias.

Claro que não se pedia a Marcelo que se identificasse com o PSD, ou com o CDS, ou com qualquer outro partido: o Presidente  tem de estar acima dos partidos.

Mas Marcelo podia dizer o que pensa sobre a Europa, sobre os tratados europeus, sobre o respeito pelos compromissos internacionais, sobre o cumprimento do défice, sobre as privatizações e as nacionalizações, sobre o investimento público, sobre a crise dos refugiados, sobre o problema da natalidade, sobre a educação, etc.

E dizê-lo com frontalidade e sem medo, em vez de adiantar banalidades como: «Queremos o crescimento económico» ou «É importante cumprir o défice».

Mas alguém quer o contrário?

Os políticos que ficam na História não são os que escondem as suas opiniões – mas aqueles que têm a coragem de as afirmar.

Margaret Thatcher ficou porquê?

Porque nunca teve medo de dizer o que pensava, mesmo quando isso lhe trazia dissabores e inimigos, podendo-lhe roubar votos; inversamente, ninguém se lembra do nome do seu sucessor, embora tenha sido muito mais consensual.

As táticas servem para impor uma ideia; se não existe ideia, para que serve a tática?

Querer o poder pelo poder, sem ser por um objetivo nobre, por um ideal, por um conjunto de coisas em que se acredita, não vale a pena.

É um objetivo sem objetivo.

Que Presidente vamos ter no Palácio de Belém?

 

P.S. – A defesa de José Sócrates, que esta semana foi entrevistado pela TVI, centra-se na ideia de que o dinheiro que gastava era emprestado pelo amigo Santos Silva. E, não sendo o dinheiro dele, a tese da corrupção cai pela base.

Ora, o que ainda ninguém parece ter percebido é que não tem qualquer importância se o dinheiro era nominalmente de Santos Silva ou de Sócrates. O certo é que quem o gastava era Sócrates. Portanto, o dinheiro depositado por Joaquim Barroca, Hélder Bataglia, etc., destinava-se a ser usado por José Sócrates. Era ele o beneficiário. E como ninguém dá dinheiro por gosto, esse dinheiro só podia ser para pagar favores de José Sócrates.

Não será isto evidente?

jas@sol.pt