Voltar atrás na venda da TAP: um negócio quase impossível

Com a recusa de Neeleman em voltar atrás na privatização, opções do Governo são escassas e têm riscos. Reverter a operação por via administrativa ou nos tribunais pode implicar indemnizações e violação de leis comunitárias. Venda pode ainda ser colocada em causa pela ANAC, que dá parecer final em fevereiro. 

David Neeleman e Humberto Pedrosa deitaram por terra qualquer esperança do Governo em reverter o processo de privatização de forma negociada. Os novos acionistas da companhia rejeitaram voltar atrás com o negócio e apenas a decisão do regulador aeronáutico está no caminho da plena privatização. A decisão final sobre o controlo efetivo da companhia deverá ser tomada até final de Fevereiro, adiantou ao SOL fonte oficial da Autoridade Nacional da Aviação Civil (ANAC), mas o consórcio está confiante no desfecho.

O organismo já deu um parecer prévio sobre a operação, onde suscita reservas quanto aos estatutos e normas de funcionamento da Atlantic Gateway, a empresa que Neeleman e Pedrosa criaram em conjunto. A ANAC pediu em novembro que a empresa demonstrasse «inequivocamente que a gestão corrente daquelas sociedades é efetivamente controlada pela HPGB, SGPS [a holding de Pedrosa]».

‘Contrato é para cumprir’

Mas o consórcio fez entretanto alterações aos estatutos e nomeou novos administradores. E a ANAC está agora de novo a analisar o processo, para verificar se o consórcio cumpre as regras comunitárias, que impedem que cidadãos não europeus assumam o controlo efetivo de uma companhia aérea europeia.

O processo deverá estar concluído dentro de dois meses – embora o prazo seja flexível, em função de requerimentos que o organismo esteja a pedir, que interrompem a contagem de prazos.

Se houver luz verde, será o último passo para a Atlantic Gateway assumir em pleno a sua condição de acionista maioritário, depois da tentativa falhada do Governo em reverter o negócio, esta semana. David Neeleman aterrou quarta-feira em Lisboa e, juntamente com Humberto Pedrosa, esteve reunido com o ministro da Planeamento e das Infraestruturas, Pedro Marques, que tinha anunciado a intenção de «recuperar a maioria do capital para o Estado», ficando o consórcio privado com apenas 49%.

Na reunião, o governante obteve do consórcio Atlantic Gateway uma rejeição explícita quanto a essa possibilidade. «Assinámos um contrato com o Governo. Vamos cumprir o nosso contrato», salientou David Neeleman no final do encontro com o ministro com tutela a transportadora área, acrescentando: «Já pagámos muita dívida, tomámos decisões nas últimas duas semanas, mais do que em todos os anos antes».

O empresário de nacionalidade americana e brasileira disse ainda, no final do encontro, que a TAP tem uma situação difícil no Brasil e em Angola e que a dívida é elevada. «A TAP tem de ser salva. Estamos dia-a-dia a lutar por isso».

Com esta nega, as opções para o Governo são praticamente inexistentes. O caderno de encargos da privatização tinha uma cláusula que permitia o cancelamento do processo por razões de «interesse público», mas essa cláusula extinguiu-se com a assinatura do contrato de compra e venda.

Riscos jurídicos

Mesmo que o consórcio estivesse disposto a avançar para a via negocial e reduzir a sua posição acionista, seria uma tarefa complexa mudar os termos da operação. Como a Atlantic Gateway já injetou capitais na companhia para ficar com 61% da empresa, o Estado teria de assegurar um injeção de fundos públicos para assegurar uma posição maioritária. À luz das regras de concorrência europeias na aviação, essa possibilidade não se coloca, já que configura um auxílio estatal que distorce o funcionamento do mercado. O mesmo se aplicaria, claro, a uma intervenção de força, que tentasse a expropriação do capital da TAP.

Ontem, o primeiro-ministro admitiu avançar para uma solução mais musculada. António Costa afirmou que o Estado terá 51% da TAP no futuro. «Se não for com o acordo, é sem o acordo», avisou, sublinhando que «a execução do programa do Governo não está sujeita à vontade de particulares que resolveram assinar um contrato com o Estado português, nas situações, no mínimo precárias, visto que estavam a assinar com um Governo que tinha sido demitido na véspera».

Se optar pela reversão por via administrativa ou de contencioso nos tribunais, o Governo enfrentaria um exercício com riscos jurídicos e orçamentais, uma vez que o negócio está já fechado. Segundo explicaram ao SOL advogados com experiência neste tipo de processos, reverter um negócio desta dimensão chega a custar três vezes o valor investido, devido às compensações que têm de ser pagas. Com o contrato já fechado, não são óbvias quaisquer soluções realistas para a reversão do negócio.

joao.madeira@sol.pt