Este resort foi edificado de raiz, pedra a pedra até nascer uma aldeia ajardinada, rigorosa no uso dos materiais e na traça dos edifícios. Tem uma marina, uma pequena praia “privada”, uma igreja e todas as comodidades para celebrar casamentos e festas de dimensões similares.
Aproveito a boa rede de transportes públicos que existe na ilha para chegar a alguns locais mais recônditos. É emocionante viajar nas camionetas que não se acanham com as estradas serpenteantes sobranceiras ao oceano. As ravinas cortam-me a respiração. São tão íngremes e altaneiras, que os meus olhos rebolam por ali abaixo, sem parar.
Vou em direção ao porto de abrigo do Caniçal. A população junta-se para ver a chegada dos atuneiros. Cada companha tem uma média de 17 pescadores. Regressam só depois de a embarcação estar apinhada de peixe. Chegam a ir até ao Açores. Outros, vêm de lá para cá. Chega um, chega outro e um deles vem carregado de sotaque açoriano. Dedicam-se à pesca do atum patudo, pelo método do salto e vara, efetuado pelos pescadores mais experientes com a ajuda de binóculos para localizar o atum. Após a identificação do cardume, o barco aproxima-se e desliga o motor. Ligam o chuveiro de água para simular na superfície da água do mar o movimento de pequenos peixes pelágicos em fuga. Os pescadores atraem o cardume ao lançarem isco vivo para o mar, capturando o atum de forma seletiva. A Greenpeace considera por isso que o método de pesca com vara e linha não agride tanto o meio ambiente. A técnica mais utilizada na pesca do atum é o cerco dos cardumes com redes. Os atuneiros de rede e arrasto franceses, espanhóis e japoneses, que operam nas águas da zona económica exclusiva da Madeira, comprometem mais a preservação de outras espécies, como por exemplo os golfinhos.
No porto de abrigo do Caniçal a população ajunta-se. Uns vêm para satisfazer a curiosidade, outros para comprar peixe. Alguns automóveis estacionam à beira do cais: os pais, as mulheres ou namoradas e os filhos de menina idade aguardam ansiosamente, dentro dos carros, pelos pescadores. Os atuns, na maioria de médio porte, são descarregados à mão e acondicionados para depois serem transportadas por empilhadores que levam as paletes para a lota.
É neste ambiente que passo algumas horas a fotografar e a registar os sons. No desenrolar dos diálogos faço retratos dos pescadores em aguarela. É um momento curioso. Justifica uma visita a todos os turistas pela sua autenticidade: os atuns estão tão perto que os podemos agarrar. As embarcações têm mil cores: roupas estendidas em cordéis para secar; as boias; os olhares salgados dos pescadores que enfrentam as marés para sustentar a família.
A ilha da Madeira tem tanto de inocente como de maroto: os recantos virgens que encontramos ao longo do arquipélago compensam a face mais acimentada. Os hotéis e habitações que nasceram ao longo de décadas são sinais de uma melhoria da qualidade de vida da população. Esta ilha é uma máquina bem oleada para carburar o negócio do turismo. Perco a conta ao número das nacionalidades dos turistas que vagueiam por aqui, a maioria de meia-idade para cima.
De uma ponta à outra da ilha, excelentes vias rápidas aceleram por entre túneis e estradas que vão dar à povoação mais escondida, mas também à capital. Uma delas leva-me ao Funchal. Metida num grande vale, a cidade está minada de construções. Deu lugar ao vasto esverdeado dos funchos que originaram o nome dela: não é impropério acreditar que Gonçalves Zarco, zarolho de uma vista durante os combates em Marrocos, tivesse feito o tratamento da vista com os vapores do funcho. Plantou-o para aliviar as dores e não é que prosperou?
Durante a noite voo no desejo de ganhar no casino, entrego-me ao prazer das ponchas, a típica bebida de aguardente de cana com mel e suco de laranja (também se usam outras frutas) e ouço pela noite a fora os batuques das Vespas, a discoteca mais conhecida da ilha. A Madeira é isto: é paraíso com inferno bom, um misto de beleza natural e invenção humana.