O acontecimento que marcou 2015 está registado em mais de 25 mil páginas, 81 mil escutas e mais de 5,5 milhões de ficheiros informáticos. Anda ao ritmo de 30 folhas por dia e nas últimas semanas conseguiu reunir a maior equipa de investigação de sempre para um processo.
A Operação Marquês tem tudo para ser um bom filme. Há um ex-primeiro-ministro suspeito de corrupção, fraude e branqueamento, uma rede familiar e de amigos que o terá apoiado em tudo, um advogado que traz algumas cenas de humor e dois magistrados (o procurador Rosário Teixeira e o juiz Carlos Alexandre) que se dizem dispostos a tudo para fazer Justiça.
Só faltou o efeito surpresa. É que Portugal já tinha noção do desfecho da história antes mesmo de ela começar. As notícias começaram a sair no verão do ano passado e – ainda que prontamente desmentidas por Sócrates – trouxeram à cabeça dos portugueses recordações de outros tempos e de outros processos.
As notícias ou «canalhices» – como Sócrates lhes chamou no seuespaço de comentário na RTP – acabaram mesmo por se confirmar e, em novembro do ano passado, o país ficou suspenso das notícias quando soube da sua detenção.
Enquanto a defesa se queixava das fugas de informação, nas salas do Tribunal Central de Instrução Criminal as conversas eram outras. O juiz Carlos Alexandre e o procurador Rosário Teixeira queriam esclarecer o papel do empresário Carlos Santos Silva na vida de José Sócrates. Perguntavam-lhe detalhes sobre as entregas ilimitadas de dinheiro e como é que Sócrates ponderava devolver mais de um milhão de euros que recebera em dinheiro, dados os problemas económicos que alegava.
Para a investigação, o dinheiro não é emprestado, mas sim fruto de corrupção, e está em nome de Santos Silva para passar despercebido.
O ano de 2015 começou com o ex-governante preso em Évora. Mesmo proibido de dar entrevistas, continuou a enviar declarações aos jornais e televisões – e, apesar dos fortes indícios que enchiam páginas e páginas de jornais, continuou a atacar tudo e todos.
A Operação Marquês é, porém, mais do que ‘o caso Sócrates’. É também o processo do ex-ministro socialista Armando Vara e do empresário Rui Pedro Soares, envolve elevados responsáveis do Grupo Lena e também Lalanda e Castro, responsável em Portugal da Octapharma – onde Sócrates trabalhava e que no Brasil foi investigada no âmbito do caso ‘Máfia dos Vampiros’.
Este ano, em setembro, o país voltou a parar, desta vez para ver Sócrates entrar no prédio de Lisboa em que iria ficar em prisão domiciliária. Parou para vê-lo entrar e de seguida parou para conhecer a sua casa (por trás da fachada do modesto prédio na rua Abade Faria há uma moradia de dois andares, pertencente à ex-mulher).
Ficou-se entretanto a conhecer mais detalhes do processo, sobretudo desde que o Tribunal da Relação decidiu pôr fim ao segredo de justiça interno (para arguidos e assistentes).
A investigação que a defesa diz estar vazia tem, afinal, detalhes que o Ministério Público considera muito comprometedores, como escutas em que o ex-primeiro-ministro fala de dinheiro por código e indícios de favorecimento ao empreendimento algarvio de Vale do Lobo. Os investigadores fundamentam que os governos de Sócrates beneficiaram o Grupo Lena e que foram feitas engenharias financeiras para que recebesse as contrapartidas de forma aparentemente legal.
As revelações levaram Sócrates a queixar-se e o Tribunal de Lisboa proibiu um dos maiores grupos de media, o do Correio da Manhã, de continuar a relatar factos do processo, o que foi considerada inconstitucional por vários juristas.
Carlos Diogo Santos
E ainda
Crimes sangrentos
Foi um ano violento. 27 mulheres foram assassinadas pelos companheiros, um homem matou três pessoas na Quinta do Conde (dois deles das forças de segurança) e um jovem de 16 anos matou outro de 14 em Salvaterra de Magos.
Carrilho acusado
O ex-ministro socialista é acusado de violência doméstica sobre Bárbara Guimarães. O julgamento devia ter começado em outubro mas foi adiado porque Carrilho pediu o afastamento da juíza que já o tinha condenado por difamação.
Estado compra medicamento para hepatite C
Foi preciso um doente revoltar-se no Parlamento para que o ex-ministro da Saúde, Paulo Macedo, decidisse comprar o medicamento.
Acordo ortográfico aplicado
O período de transição – sete anos – para a adoção da nova grafia terminou a 13 de maio.
Julgamento de Silva Carvalho
Ainda a missa vai no adro. O ex-espião tem falado (e muito) em tribunal, num processo em que responde por crimes de acesso indevido a dados telefónicos, abuso de poder e violação do segredo de Estado – o habitual nos serviços secretos, segundo diz.