2.O que fez cair a máscara de António Costa? A salvação de mais um banco. Pois, quando se trata de salvar bancos e usar o dinheiro dos contribuintes, António Costa esquece o seu lado romântico, o seu lado esquerdista – e passa a ser um político pragmático, aliando-se àqueles a quem, até há poucos dias, apelidava de “liberais radicais”, “ultra-direitistas”, que “afundaram o país”. Registamos que quando se trata de usar o nosso dinheiro – dinheiro dos contribuintes – para salvar bancos, depois de actos de gestão desastrosos praticados por personalidades tidas como virtuosas e apogeu máximo das virtudes tecnocráticas, PS e PSD chegam facilmente a um acordo.
3.Concluimos, portanto, que o cimento que une os partidos de poder são as conveniências momentâneas do sistema bancário – e não convicções sobre matérias estruturantes para o futuro de Portugal. Sobre educação, saúde, segurança social, justiça, o PS prefere entrar em encenações políticos grandiloquentes de unidade de esquerda e de namoro escaldante com BE e PCP – quando toca a proteger os interesses do sistema bancário, o PS assume uma posição moderada e, de acordo com a opinião unânime dos comentadores, de “estado”. Até o esquerdista Sampaio da Nóvoa, candidato presidencial apoiado oficialmente pelo MRPP, felicitou António Costa pela decisão de usar o seu dinheiro, caro leitor, para salvar outro banco!
4.Bom, quanto ao mérito da decisão de recorrer ao mecanismo de resolução bancária com venda imediata ao Santander, nós damos o benefício da dúvida a António Costa e a Pedro Passos Coelho. António Costa é Primeiro-Ministro; Passos Coelho foi Primeiro-Ministro ate há bem pouco tempo – logo, disporão de mais informação do que nós para avaliar a situação real do banco e as consequências reais de cenários alternativos, como a liquidação do banco. Se António Costa decidiu rapidamente e em força a venda do Banif ao Santander – e se o PSD e Pedro Passos Coelho avalizaram esta decisão – , então, é porque, de facto, dispõe de informações privilegiado que nós não temos.
5.Dito isto, as explicações avançadas por António Costa para a resolução do Banif parecem-nos muito poucochinhas para justificar esta decisão – e afastar outras. É que a resolução significa usar o dinheiro dos contribuintes para pagar dívidas contraídas por privados, por erros de privados, no exercício de funções privadas – o único interesse público invocado corresponde a um interesse difuso, vago, de evitar o tão propalado risco sistémico. Mas o Banif acarretaria risco sistémico – poria em causa o funcionamento do sistema bancário português, a saúde dos restantes bancos? Em que termos? Com que dimensão? O que tem o Banif que ver com o BES? Por que se utiliza o BES como argumento para justificar a resolução e venda apressada do Banif ao Santander? Se o dinheiro que o Estado vai buscar com a alienação do banco bom do BANIF é tão insignificante, qual a vantagem de o vendar apressadamente? Para evitar a entrada em vigor do novo regime de resolução europeu que entrará em vigor no primeiro dia do novo ano? Mas esse regime novel não obrigaria a acrescidos esforços financeiros do Estado português – responsabilizaria, isso sim, também os depositantes qualificados (digamos, assim) do BANIF (os tais depósitos superiores a 100.000 €). Ora, não seria socialmente mais justo que quem decidiu investir ou depositar os seus activos financeiros no BANIF sejam os primeiros a sofrer as consequências do colapso do banco? Porque seremos nós, todos, a suportar os custos de decisões que nunca tomámos?
6.Uma economia de mercado é isso mesmo: temos a liberdade de sermos ou não sermos clientes ou investidores do BANIF. Se optamos por não ser, porque vem o Estado obrigar-me a constituir-me como accionista forçado do banco mau do BANIF? Ou do BES? Ou do BPN? Ou BPP? Ou…?Dir-se-á que os trabalhadores do BANIF perderiam o seu emprego: pois, este argumento, todavia, nada tem que ver com a estabilidade financeira. Então se uma empresa de comunicação social, um restaurante ou uma empresa de têxtil falir – os seus trabalhadores também vão perder o emprego. Então, e o Estado pondera em injectar dinheiro para salvar a empresa? Nestes casos, já não. A intervenção do Estado já seria…comunista!
7.E lamento que Pedro Passos Coelho encare como a única solução viável para este caso a resolução, nos moldes definidos por António Costa, do BANIF. Que diabo: mesmo recorrendo ao mecanismo de resolução, não seria possível um modelo menos lesivo para os contribuintes portugueses? Parece-nos que a decisão de António Costa foi uma decisão política: a informação pré-divulgada pela TVI, no domingo anterior à decisão do Governo, teve de partir de dentro do Governo para o director de informação, Sérgio Figueiredo, ou outro jornalista com peso na redacção da TVI. E o objectivo foi criar um facto político: dar a ideia que o BANIF estava a morrer, em situação comatosa – para depois se passar a ideia de que António Costa actuou de forma resoluta e rápida. Criou-se o facto, para depois António Costa passar por entre os “pingos da chuva”. Já é a terceira que este Governo recorre a esta estratégia, desde que tomou posse há semanas.
8.Ao criar a ideia de inevitabilidade da solução encontrada, António Costa teve mais facilidade em legitimar a decisão encontrada; a venda ao Santander justifica-se em termos políticos como o mal menor, evitando eventuais obstáculos jurídicos; por último, António Costa fica como “santinho” e Passos Coelho como “diabinho” – a culpa da situação do BANIF é do anterior Governo (narrativa que foi repetida à exaustão pelos comentadores e jornalistas socialistas).
8.1.Por outro lado, politicamente, António Costa evita os problemas da contestação social e da criação de um foco de contestação popular que se juntaria aos lesados do BES, nesta fase inicial do seu Governo. E evita rupturas conjugais insuperáveis com PCP e BE: se não salvasse os depositantes, mesmo os mais ricos (o que é estranho dada a narrativa ideológica da extrema-esquerda…), PCP e BE não perdoariam a António Costa e teriam nos lesados do BES e do BANIF, eleitores potenciais muito fortes.
9.O que é inacreditável é a forma incontestada, acrítica, com que se acolheu a decisão de António Costa. Um caso que mostra à exaustão a promiscuidade entre bancos e as instâncias superiores de decisão política que foi recebida com apatia pelos portugueses – ou melhor, pelos portugueses que têm acesso aos media e aos centros de poder. Já sabemos que os bancos (sejam competentes ou altamente incompetentes; sejam credíveis ou nada credíveis) têm partidos políticos que os representam – nós, contribuintes, é que estamos carentes de representação política. Exige-se um partido que faça da defesa do contribuinte, dos trabalhadores que criam riqueza e que têm de trabalhar muito para pagar contas e viver, a sua essência, a sua principal causa política. Uma palavra de reconhecimento ao CDS que, neste caso, esteve melhor que o PSD. Passos até poderia dar a mão à decisão de António Costa – não podia era dizer “sim”, porque “sim”. Sem condições, sem ressalvas, sem fundamentar. Nada.
10.PSD e o PS (agora reconvertido, porque as suas conveniências, assim o impunham, ao centro) prestaram um péssimo serviço ao capitalismo e à economia de mercado. Quem paga a factura? Nós – o caríssimo leitor, o autor desta prosa e todos os portugueses.