20% dos europeus vota em novos partidos

Desde 2010, cerca de 38 milhões de eleitores europeus fugiram dos partidos tradicionais nos respetivos países.

Podemos e Ciudadanos. Uns em estreia à esquerda outros na segunda tentativa de captar eleitorado à direita do centro. Juntos somaram mais de 8,5 milhões de votos nas legislativas espanholas do último domingo e confirmaram a tendência que nos últimos cinco anos levou quase 40 milhões de europeus a votar em partidos que nunca tiveram acesso às esferas do poder.

São os partidos tradicionais que estão a pagar em votos o preço de uma crise financeira que persiste apesar das fortes doses de austeridade distribuídas no continente.

O helénico PASOK foi o primeiro a receber a fatura, perdendo cerca de 2,8 milhões de eleitores entre o momento que assinou o primeiro memorando com a troika, em 2010, e as legislativas de janeiro deste ano, que deram a primeira vitória a Alexis Tsipras. O Syriza, que iniciou a crise com 315 mil votos na extrema-esquerda, é hoje o principal representante do eleitorado social-democrata grego, como mostram os 1,93 milhões de votos alcançados por Tsipras na reeleição, depois de assinado novo acordo com os credores.

Mas se os gregos conheciam a ideologia do Syriza, e acompanharam a sua desradicalização, muitos eleitores europeus aderiram a movimentos pouco definidos, cuja principal mensagem é a promessa de romper com o status quo.

De Beppe Grillo em Itália…

Foi o caso dos 8,68 milhões de italianos que em 2013 decidiram apostar no ex-comediante Beppe Grillo, dando 109 deputados à primeira bancada parlamentar do Movimento 5 Estrelas. Uma para cada prioridade: transportes sustentáveis, água pública, acesso universal à internet, ambientalismo e desenvolvimento sustentável. Um ano mais tarde, três milhões de eleitores abandonaram Grillo, que ainda assim somou 5,8 milhões de votos nas europeias.

O apresentador de TV Nikolay Barekov capitalizou a insatisfação do eleitorado com o movimento Bulgária Sem Censura. Obteve 10,66% dos votos (238 mil) nas europeias de maio de 2014 e agarrou 187 mil desses eleitores até às legislativas, realizadas cinco meses depois.

Papel Kukiz, um músico punk, lidera um não-partido porque quer acabar com a partidocracia. Com o nome Kukiz 2015, foi o terceiro classificado nas legislativas deste ano, com 1,3 milhões de eleitores que lhe deram 42 deputados.

O cansaço face aos partidos tradicionais não se traduz apenas na passagem de celebridades de outras áreas para a política. As dificuldades económicas e a destruição do Estado Social abrem espaço a outro tipo de tensões, pois em tempos de prosperidade ninguém se queixa dos postos de trabalho ocupados por imigrantes, por exemplo.

Na Holanda, o xenófobo Geert Wilders não conquistara mais do que 5,9% do eleitorado antes da crise rebentar. Em 2010, viu o apoio triplicar até aos 15,5%. Com 1,4 milhões de votos, tornou o Partido para a Liberdade na terceira maior força política do país e o seu apoio foi fundamental para a formação de um governo à direita do centro. Ficou-se pelo apoio parlamentar, mas nem assim evitou as consequências reservadas a todos os que nos dias de hoje se intrometem nas esferas do poder: perdeu meio milhão de votos nas legislativas de 2012.

Nigel Farage e o seu Partido pela Independência do Reino Unido (UKIP) capitalizaram como ninguém a sensação de perda de soberania dos povos europeus, seja face a Bruxelas ou à crescente migração. Venceu as europeias do ano passado com 4,3 milhões de votos, ganhando um lugar de destaque na onda eurocética que deixou mais de uma centena de deputados anti-UE no Parlamento Europeu. Nas legislativas deste ano somou 3,9 milhões de votos, que só não transfiguraram a Câmara dos Comuns porque no sistema eleitoral britânico cada deputado é eleito ao vencer o seu círculo eleitoral.

… à Frente Nacional francesa

O UKIP sofreu em cada um dos círculos o fenómeno de voto útil que vai impedindo Marine Le Pen de governar em França, seja a nível local ou nacional, apesar do crescimento da Frente Nacional, que somou 6,8 milhões de votos nas regionais do início do mês.

Entre os 28 países da UE, só Bélgica, Chipre, Lituânia, Luxemburgo, Malta, Roménia e Portugal (apesar do crescimento, nem BE nem PCP tiveram os melhores resultados da história) conseguiram fugir, para já, a este fenómeno.

No total, o SOL somou mais de 38 milhões de europeus que desde 2010 escolheram novos partidos ou deram dimensão nacional a formações que tinham apenas apoio residual antes da crise. Constituem quase 20% dos cerca de 200 milhões que foram às urnas escolher os governos do Velho Continente.

nuno.e.lima@sol.pt