1.O referendo inglês. Poderia ter escolhido outros temas, nomeadamente o terrorismo islamita ou a crise dos refugiados. Mas estes já não se configuram como fatores de uma crise aguda mas antes, infelizmente, ameaçam converter-se em fontes de padecimento crónico. O referendo sobre a brexit pode vir a constituir um choque decisivo para o futuro da UE. O resultado é hoje difícil de prever. Qualquer agudizar da crise dos refugiados ou cada novo atentado terrorista inclina a balança a favor da saída.
De nada servem os argumentos racionais do governador do Banco de Inglaterra, dos reitores das universidades ou dos líderes empresariais. O caso para a saída é sobretudo emocional e está num plano onde os partidários da permanência não conseguem competir. O impacto económico da saída só pode ser grande pois o Reino Unido é a terceira economia da União (ironicamente, o instituto de previsões económicas de médio e longo prazo Centre for Economics and Business Research previa há uns anos que o Reino Unido poderia tornar-se a primeira economia da União em 2030, fruto em parte de fluxos migratórios mais favoráveis que os dos parceiros europeus, a que se juntavam a demografia e a fiscalidade).
Mas o impacto de uma eventual saída excede em muito o resultante do peso económico do Reino Unido e poderá dar início à desagregação da UE e do euro como os conhecemos. Uma vez demonstrado que aquilo que se julgava inscrito na pedra pode ser revertido pela força da democracia, os movimentos céticos ou antieuropeístas na Finlândia, França ou Polónia ganharão um novo ímpeto. Ou seja, a brexit poderá originar uma grave crise institucional e de legitimidade na União. Responder-lhe consumirá durante anos energias e recursos que melhor seriam devotados ao aprofundamento da União Bancária e à promoção de reformas estruturais.
2.A geringonça. O incomparável Vasco Pulido Valente cunhou esta designação para descrever o governo PS/BE/PC. 2016 será dominado pelos estremeções e rangido das rodas dentadas da dita geringonça. O Governo estará por um fio em cada decisão importante e moderadamente impopular. O PS dependeu da extrema esquerda para chegar ao poder mas depende da direita para aí permanecer – e de um lado ou do outro será sempre acusado de pactuar com o diabo em nome do poder e do progresso (como, aliás, Fausto). Com mais ou menos sobressaltos penso que o Governo se aguentará até ao próximo orçamento. Aí, esgotada a almofada financeira e o período de graça concedido pela extrema esquerda (que entretanto já terá alcançado importantes ganhos nas suas causas mais queridas como as concessões dos transportes públicos ou avaliação dos professores), as coisas fiarão mais fino. Prevejo que o PC e o BE votarão contra o OE 2017. O PSD e o CDS terão então de decidir o que entendem por ‘sentido de Estado’: dar a mão ao Governo e em nome da estabilidade prolongar o equívoco ou clarificar as águas e deixar cair a geringonça. Todo este clima de incerteza é muito mau para o investimento e para a economia. Mas mais grave será prolongá-lo. 2016 é um parêntesis.