Seguranças espalhavam ‘terror’ na noite

O Ministério Público diz que por trás da empresa S.P.D.E, no processo Fénix, estava uma rede de seguranças que espalhava o «terror» para garantir o controlo do negócio da noite. Agressões a clientes e intimidação de empresários eram prática habitual.

A rede desmontada pela Operação Fénix começou por dominar as casas de diversão noturna do Porto e rapidamente tentou espalhar a sua área de influência a outros pontos do país. Quando o Ministério Público (MP)_avançou para a detenção dos primeiros 16 arguidos, em julho de 2015, a empresa Segurança Privada, Departamento de Eventos (S.P.D.E.) de Eduardo Silva já detinha o controlo sobre espaços deste género em sete distritos, sobretudo a norte, recorrendo com frequência a atos de violência extrema.

No final de 2014, Eduardo Silva anunciou aos mais próximos que ia retirar-se da segurança aos bares e discotecas. Apesar de ser ele quem continuava «a mandar», o dono e gerente da S.P.D.E. deixava essa tarefa «das pancadas» aos «ninjas» de Vale do Sousa – um grupo com elementos ligados à onda de violência no Porto, investigada no processo Noite Branca, e suspeitos de estarem envolvidos em vários homicídios.

Os territórios da S.P.D.E.

A maior parte da atividade desempenhada pelos homens de Eduardo Silva «era legal e consistia em prestar serviços de segurança privada em bares e discotecas», refere o Ministério Público (MP) no despacho de acusação do Departamento Central de Investigação e Ação Penal, assinado pelos procuradores João Centeno e Filomena Rosado a 2 de janeiro, três dias antes do prazo de conclusão do inquérito.

Mas, a coberto dessa atividade legal da S.P.D.E., Eduardo Silva desempenhava – e mandava executar pelos seus «homens de confiança» – serviços de guarda-costas para os quais não estavam habilitados.

Foi a esses serviços que a cúpula dirigente do FC Porto recorreu para garantir a sua proteção pessoal e que poderá levar Pinto da Costa e Antero Henrique, presidente e vice-presidente do clube, a tribunal, depois de terem sido constituídos acusados de exercício ilícito de atividade de seguranç privada. Ao mesmo tempo, esses elementos recorriam à intimidação e às agressões para alcançarem os seus objetivos.

Depois do Porto, a atividade da empresa de segurança espalhou-se por Vale do Sousa, Póvoa do Varzim, Espinho, Viana do Castelo, Vila Real e Lisboa. E, segundo apurou a investigação, a cargo da PSP, havia uma nota recorrente: os episódios de violência.

‘Ela vai pagar, nem que seja com o cabelo’

Por exemplo, nos últimos dias de 2014, Jorge Sousa e Daniel Silva – dois dos mais destacados elementos da S.P.D.E. – apresentaram um plano a Eduardo Silva. Queriam organizar rondas de vigilantes na baixa do Porto e «carta branca» para «acabar com os problemas» com que se deparavam. «Era uma bombada em cada um e acabou», disse Daniel Silva, que se preparava para arranjar «uma turmazinha». O segurança também garantia: «Devagarinho, vamos endireitar esta m… toda e começar a encostar quem não interessa».

Nem os donos de espaços de diversão estavam a salvo. O Baixa Bar era um dos espaço protegidos pela S.P.D.E., mas, em outubro de 2014, a proprietária já devia 7.900 euros à empresa. João Paulo, um dos vigilantes, encarregou-se da tarefa: espancou a empresária para garantir que a mensagem era entendida e que o dinheiro era entregue a Eduardo Silva. «Ela vai pagar, nem que seja com o cabelo, ela vai pagar, mas também leva nos cornos», comentou, mais tarde, o responsável da S.P.D.E..

O domínio da noite foi sendo assim conseguido. Eduardo Silva, o primeiro e último responsável pela estratégia a seguir pela empresa, «determinava aos coordenadores das áreas que angariassem mais clientes, se necessário recorrendo à intimidação e força». De resto, os proprietários dos espaços de diversão conheciam a regra, que Eduardo Silva mandava os seus homens repetir com frequência: ali, na noite, era a S.P.D.E. quem mandava, não os empresários.

Relações privilegiadas com polícias

Com o tempo, o grupo alargou a sua área de influência, gozando até de impunidade, por um lado, e de relações privilegiadas, por outro, no contacto com as forças de segurança. Nas interceções ao telemóvel de Eduardo Silva, a PSP escutou o empresário a ameaçar diretamente um responsável daquela força: «Qualquer dia é marreta à vossa frente».

Quando precisava de saber informações sobre ações de fiscalização da PSP a seguranças, ‘Edu’ Silva recorria a Alberto Couto, um ex-agente que mantinha contactos com antigos colegas do núcleo de investigação criminal.

Os clientes dos bares e discotecas eram outro dos alvos das agressões. E, segundo o MP, era o próprio Eduardo Silva quem dava instruções aos responsáveis de cada setor. «Após receberem instruções» do empresário, esses elementos «incentivavam os ‘vigilantes’, ‘operacionais de terreno’ colocados nos estabelecimentos noturnos a cometerem atos violentos sobre os clientes», referem os procuradores.

E quando havia desacatos os problemas resolviam-se internamente. Se agredissem um cliente, os seguranças eram imediatamente distribuídos por outros espaços, para evitar que fossem identificados pelos próprios ou pelas forças de segurança.

Além dessa manutenção do domínio da noite, alguns dos homens de Eduardo Silva eram contratados para fazer «cobranças difíceis» – há 20 arguidos acusados de associação criminosa.

Já em junho de 2015, dias antes das detenções, Jorge Sousa foi escutado numa conversa com um conhecido seu, Paulo. «Uma gaja que me está a dever dinheiro». «Deve-me 10 mil euros, pá, se conseguires sacar nove mil fica tudo para ti», foi-lhe garantido.

Se alguns dos casos em que a S.P.D.E. estivesse envolvida chegasse a tribunal, Eduardo Silva reunia uma «turma» para «impor» às testemunhas «as versões que estas ali deviam indicar».

pedro.rainho@sol.pt