Comecei por brincadeira depois do trabalho com uns amigos. A maneira entusiasmada, apaixonada até, como eles falavam do ginásio começou a entranhar-se em mim. Na minha cabeça, o ginásio era um paraíso: a promessa de ficar com um corpo de deixar o Adónis a comer apenas sementes de chia para o resto da vida, a promessa de ser “stalker” de todas as miúdas do ginásio sem que nem uma respondesse aos monólogos que viria a fazer no chat do Facebook, a promessa de encher com massa muscular todas as fissuras que tenho na estrutura do meu ego.
Ao princípio ia uma ou duas vezes por semana, mais pelo convívio, era aquela ida social ao ginásio. Alguns amigos meus que não alinhavam nisso foram-me avisando dos perigos: “é assim que se começa, e num instante dás por ti e estás a depilar as pernas todas e a achar que zumba não é ridículo”. Ri-me e não lhes dei ouvidos. Fui-me deixando ir nas profundezas do ginásio sem dar conta. Comecei a ir todos os dias. Precisava de sentir a adrenalina de estar no balneário sem saber se ia apanhar micoses nos pés ou ver um velho todo nu, precisava de levantar pesos enquanto gemia muito alto que nem um Neandertal, mas só quando havia miúdas por perto, para me sentir mais macho na minha insegura e primitiva masculinidade, precisava de ter desculpas para não ter tempo para ler mais livros. Fugiu ao meu controlo.
Não passava um dia sem um selfie ao espelho do ginásio com tanta hashtag #legday #nopainnogain e #focusedonmygoals que perdia mais tempo a fazer o post que a treinar. Mas o meu ego precisava de se alimentar de likes, já que passei a preocupar-me tanto com a comida que os meus amigos deixaram de querer jantar comigo por fazê-los sentirem-se mal com o que comiam a todas as refeições. Não comas isso, come antes umas baguinhas de goji! Não vás para o Lux, vem antes fazer running comigo amanhã de manhã (sim, também passei a dizer running, já não sabia os limites do ridículo)! Já ninguém me podia aturar com essas merdas.
Estava a afundar-me e levar comigo a namorada que arranjei entretanto por ter o mesmo problema que eu. Ela tinha cada vez mais seguidores no Instagram e cada vez menos capacidade de seguir um raciocínio. Começou a trabalhar como RP do Main e a ser patrocinada por uma marca de leggins, e eu já só pensava em tornar-me DJ. Passava o tempo todo no ginásio ou a pensar nele. Perdi amigos e dignidade, larguei o bom senso e o emprego. Sem dinheiro para pagar a mensalidade, dei por mim a roubar da carteira da minha avó para poder voltar a puxar ferro e sentir o cheiro típico de ginásio, aquela mistura de hormonas mal geridas com frustração por estar a envelhecer e angústia perante a efemeridade da vida.
Foi aí que abri os olhos e, com a ajuda da família, decidi juntar-me aqui a vocês. Estou sóbrio há uma semana e espero nunca mais voltar a cair no buraco e causar vergonha alheia a quem me rodeia, principalmente nas redes sociais.
– Obrigado por partilhares, Júlio.