A pé, de transportes, Uber ou táxi. Venha o alfacinha e escolha

Depois da revolta dos taxistas, que falam dos motoristas do Uber como a mais recente praga de Lisboa – logo seguida dos escaravelhos das palmeiras –, a ideia inicial era escolher um percurso e comparar viagens entre os dois serviços. 

A pé, de transportes, Uber ou táxi. Venha o alfacinha  e escolha

Traçar o percurso foi fácil, começar no Campo Grande e acabar no Rossio, num dia que se fez de idas e vindas por um caminho privilegiado que não deixa de fora alguns dos pontos mais interessantes da cidade. No entanto, passar o dia em quatro rodas pareceu-nos demasiado limitativo e à equação juntaram-se os bons e velhos transportes públicos, neste caso o metro e o autocarro.

Ainda por influência dos runners que todos os dias cruzam obstáculos citadinos para fazerem os quilómetros a que se propõem, decidimos fazer os quase seis quilómetros a pé, desta vez em passo de caminhada para podermos apreciar a paisagem sem a preocupação de controlar a respiração e o tipo de passada.

Para trazer alguma inovação à experiência, aventurámo-nos numa das mais recentes aplicações para chamar táxi, que chegaram em força no ano passado a Portugal para substituir o clássico telefonema para a central. E atenção, apesar do uso do smartphone, é aos táxis que voltamos para mais uma viagem.

E, ainda mais arrojado, decidimos deixar de fora os tuk tuk. Tudo não passa de uma estratégia para não despoletar a raiva (pouco) adormecida dos taxistas lisboetas. Até porque alfacinha que se preze sabe que não é boa ideia ser conduzido por um taxista enfurecido.

Metro
Começamos o dia debaixo de terra, até porque é cedo e a luz de Lisboa ainda é difícil de enfrentar.
Para carregar o Viva Viagens, contamos com a ajuda do funcionário que, numa partilha das dores do dia-a-dia, nos mostra o passe que tem guardado no bolso. “’Tá a ver, até eu que trabalho aqui tenho que comprar”. Encolhemos os ombros e resignamo-nos a pagar bilhete, ou melhor, a carregar o cartão com dinheiro, um truque para tornar a viagem um pouco mais barata.

O placard luminoso diz que faltam três minutos para a chegada do metro ao Campo Grande, o que ainda dá tempo de ler um dos curtos capítulos d’”As Primeiras Coisas” que trazemos debaixo do braço. Os livros que os passageiros escolhem é aliás uma das coisas que mais nos chama a atenção mal trocamos a plataforma pelo interior da carruagem. Num espaço de quatro bancos virados uns para os outros, há coisas tão distantes como Murakami, a revista “Maria” ou catálogos do Pingo Doce, que uma senhora analisa com cuidado, assinalando a marcador fluorescente os produtos que vão encher o carrinho da semana.

Em hora de ponta são poucos os lugares vagos, ocupados em parte pelas marmitas do almoço. Temos mesmo que pedir a uma senhora que retire a sua para podermos ganhar um lugar sentado, já o metro vai na Alameda. A escolha do lugar foi aleatório mas mostrou-se rico em cruzamento de conversas. Ao lado, uma voz diz em surdina: “Não posso dizer isso aqui amor, está muita gente”. Já nas nossas costas há quem não se coíba de partilhar verdadeiros dramas familiares. “O meu pai tem outra pessoa, toda a gente sabe. Quer o divórcio e a minha mãe não dá”. Alguns olhares levantam-se para que seja dada a devida atenção à história, que de repente parece ser mais interessante do que o que se passou durante a noite nas redes sociais e que faz com que quase toda a gente ande de cabeça baixa e de olhos postos nos smartphones. Aliás, esta apatia matinal foi suficiente para transformar o meu “com licença” em algo pouco audível para um senhor que barrava a minha passagem para a saída. “Diz-se com licença, sabia?” “Sabia sim, acabei de o dizer”. “Comece a dizer mais alto então”. Focamos a atenção na voz que indica o Rossio como a próxima paragem e damos graças por perceber que há sempre alguém com pior humor matinal que nós.

Custo: 1,25€ por ter sido descontado de um passe carregado com dinheiro. 
Uma viagem simples custa 1,40€
Duração: 17 minutos

Taxi
Para o regresso ao ponto de partida, é aos táxis que fazem fila em frente ao Teatro D. Maria II que nos socorremos, tentando sempre focar os olhos nos carros amarelos e não nas ginjinhas que nos parecem convidar para ficar nem que seja mais dez minutos.

Primeira nota curiosa do táxi que nos calhou na rifa: não está a dar Rádio Amália. “Prefiro a TSF”, conta Mário, “já o resto parece tudo um Big Brother”. Há 12 anos, na altura com 48, trocou uma vida de escritório por uma ao volante. Na verdade, pelo pouco entusiasmo que mostra quando fala da profissão, parece só ter mudado de tipo de assento. “Doze horas por dia metido num carro é muito cansativo”, admite. Os caminhos já conhecia, até porque nasceu e sempre viveu em Lisboa. Tem pena é que haja poucos serviços para fora. “Os meus colegas passam a vida a ir ao Porto e ao Algarve. Eu só fui uma vez à Guarda e foi bem bom, valeu-me 350 euros”.

Fora esses dias especiais, é possível encontrá-lo no Rossio, Cais do Sodré ou aeroporto, “aí menos, que aquilo está uma confusão”. Mário garante que nunca fez como alguns colegas que cobram 60 euros a turistas que saem do avião diretamente para o centro da cidade. “Não tenho lata para isso”, confessa. O ar pacífico de Mário já lhe deu alguns dissabores no trabalho, quase todos em forma de clientes que não pagam o serviço. “Dizem que vão ao multibanco e fogem, ou que vão a casa buscar e nunca mais descem, enfim, uma desgraça”. Para não deixar Mário de pé atrás, ainda não chegámos ao destino e já estamos de nota de dez euros na mão.

Custo: 6,65€
Duração: 16 minutos

MYtaxi
De volta ao ponto de partida, está na hora de arranjar outra forma de sair do Campo Grande. À porta do Estádio de Alvalade, damos uso à aplicação MyTaxi, instalada no iPhone à espera de uma necessidade do género.
O GPS identifica a nossa localização de forma automática e o passo seguinte é tão fácil como clicar na barra amarela que diz “Chamar Táxi”. O mais próximo está na rotunda do Saldanha e o tempo de espera estimado é de oito minutos.

O mapa virtual permite ver o carro a aproximar-se e, por isso, permite também perceber que as paragens que o carro faz são sinónimo de semáforo e que os oito minutos iniciais passam facilmente a doze.

Uma das vantagens da aplicação é poder entrar no carro e tratar o motorista pelo nome, indicação dada logo que o carro é escolhido. “Boa tarde Paulo”. “Boa tarde Marta, tudo bem?”. Está quebrado o gelo, pelo menos até ao momento em que nos atrevemos a fazer uma comparação entre este serviço e aquele que é prestado pelo Uber. “A diferença é que nós trabalhamos de forma legal”. Está dado o mote para mudar de assunto, até porque Paulo está habituado a conduzir pessoas, mas também, a “fazer papel de padre”. Ainda há dias apanhou um rapaz lavado em lágrimas com as roupas metidas em sacos do Continente. “A namorada tinha acabado de o expulsar de casa, coitado”. A partir daí foi um rol de conselhos e desabafos, que lhe vêm do treino que tem em conduzir as raparigas que saem das discotecas a chorar, “porque o rapaz de quem gostam estava a curtir com outra”.

A conversa flui de tal maneira que nem dá vontade que a viagem termine na estação de comboios do Rossio. Feitas as contas e já de porta entreaberta, não escapamos sem mais uma advertência quanto ao Uber: “Era o mesmo que a Marta ser dona deste Starbucks e eu vir montar uma banca de café à porta”.

Com este final de viagem nem nos atrevemos a contar a Paulo que o próximo termo de comparação vai ser feito exatamente com um dos seus arqui-inimigos.

Custo:  7,95€
Duração:  15 minutos

UBER
Atravessamos o Rossio e fazemos da Pastelaria Suíça a nosso ponto de espera. São 13h16 e o Uber mais próximo está a nove minutos. Antevendo os semáforos e o trânsito provocado por quem sai das empresas para almoçar, calculamos que há tempo para um café e até para comprar o jornal no quiosque.
Ainda o Opel Astra não tinha chegado, já sabia que ia ser conduzida pelo Frederico que de pontuação tinha 4,8 (na Uber, motoristas e passageiros classificam-se mutuamente). As quase cinco estrelas são imediatamente justificadas pela simpatia de quem nos conduz. “A rádio e a temperatura do carro estão do seu agrado?”. Por não ser a primeira vez a usar o serviço, a pergunta não surpreende e, por isso, decidimos arriscar num próximo teste. “Tem Wifi?” Claro que sim, responde Frederico, já com a password pronta a ser ditada.
Para ser motorista do Uber, Frederico passou por testes de condução, mas também de etiqueta e apresentação. “O fato e gravata são obrigatórios e a barba tem que estar sempre feita”. Fazemos check a tudo o que nos diz e estamos prontos para dar as cinco estrelas de pontuação. São aliás as avaliações que ditam ou não a continuidade na empresa. “Já tivemos uma colega que trabalhou apenas 4 dias, porque em 80 viagens, tinha apenas 3,2 de média”, conta. Frederico conta com mais de mil viagens e 4 estrelas já são vistas como negativa. “Quero estar sempre perto do cinco”. Pronto, está bem, já clicamos no cinco, pensámos nós, até porque Frederico nos prometeu nota máxima como cliente.

Custo: 7,43€
Duração: 16 minutos

A pé

Para a penúltima viagem do dia, ainda contamos com o lusco-fusco de fim de tarde, uma das melhores luzes para apreciar Lisboa. Daí que os quase seis quilómetros nos pareçam uma meta agradável, até porque servem de aquecimento para a loucura do dia anterior, a inscrição na meia-maratona de Março.
Tendo como ponto de partida os Jardins do Campo Grande, o Google Maps antecipa um percurso de 1h10 até ao Rossio. Antes de nos fazermos à estrada – vá, ao passeio que é mais seguro – ainda há tempo para espreitar o jogo de dominó que ocupa as tardes dos reformados e todas as mesas do jardim. Daí para a frente é só ir apontando os segredos deste caminho. Ainda paralelo ao jardim, o primeiro: o Campo Grande tem uma das bombas de gasolina mais baratas da cidade, o que justifica as filas de condutores que vêm aproveitar a happy hour da madrugada. Poucos metros à frente, o segundo, que de secreto já tem pouco: o Frutalmeidas. Apesar de o da Avenida do Brasil ser apenas frutaria, aguça a vontade de fazer um desvio até à Avenida de Roma para comer um pastel de massa tenra.
À medida que os minutos – e os quilómetros – vão passando, são cada vez mais os adeptos do running que escolhem os passeios de Lisboa como pista de atletismo, em corridas que parecem servir de rotina a quem sai dos escritórios ao fim da tarde. Em alguns casos, assiste-se a um autêntico jogo de obstáculos, entre semáforos que obrigam a parar, casais de mão dada que ocupam todo um passeio ou os postes e caixotes do lixo que encurtam o local destinado ao peão.
Está passado o Campo Pequeno, o Saldanha, o Marquês de Pombal e a Avenida da Liberdade. Além de termos roubado dois minutos à estimativa do Google Maps, podemos orgulhar-nos de resistir às torradas da Versailles, às ideias mirabolantes da Tiger e aos cartazes vermelhos com o símbolo de percentagem e que enchem as montras de todas as lojas em saldos. Não temos ninguém na meta a aplaudir mas podemos auto premiar a caminhada com mais um café na Suíça.

Custo: 400 calorias
Duração: 1h08

Autocarro 
Já em modo de despedida de um dia de vai e vem por Lisboa, voltamos a um clássico: autocarro da Carris, mais especificamente, o 736 que liga o Cais do Sodré ao Senhor Roubado e, por isso, faz o nosso já conhecido trajeto Rossio-Campo Grande.

São 19h35 e, tendo em conta o horário de inverno, a única luz que nos acompanha o trajeto é a que chega da iluminação artificial do autocarro.
Ainda que a viagem seja a de regresso a casa, as marmitas continuam a ocupar lugares sentados, desta vez já vazias e prontas a encher para o dia seguinte. Falando em comida, nos bancos da frente discute-se o local para jantar. “Apetece-me hamburgueeeeeer”, diz a rapariga com o piercing em cima do lábio, arrastando a palavra até que a amiga responda “’Tá bem, vamos ao Mac”. 

Mas se há quem faça planos, há também aqueles que não esperam que o autocarro pare para fazer do colo uma mesa de refeições. Castanhas assadas ainda a fumegar, batatas fritas de pacote e chocolates Milka cruzam-se e estimulam os sentidos de quem já pensa no que vai tirar do congelador. A tacada final vem de um rapaz que entra na paragem de Entrecampos com um saco plástico na mão. Ainda ele não tinha sacado de uma coxa a pingar de molho e já se sabia que dali vinha frango de churrasco. Os olhares em volta cruzam-se entre o “que nojo” e o “já me davas uma asa”.

Enquanto hesitamos entre as duas hipóteses algumas pistas vão indicando que estamos a chegar ao Campo Grande. Se numa paragem entra pela porta um miúdo vestido com equipamento do Sporting, na seguinte é pelas janelas que chega o cheiro a bifanas das rulotes que não trocam de lugar mesmo em dia sem jogo. É melhor sair já e nem esperar pela próxima, correndo o risco de acabar a viagem como jurado do Masterchef da Carris.

Custo: 1,25€ por ter sido descontado de um passe carregado com dinheiro. Uma viagem comprada a bordo custa 1,80€
Duração: 31 minutos