Uma das alas afetadas foi a de Geologia e Paleontologia, onde se encontrava a sala que agora encerrou. “Antes do incêndio havia aqui um veado com 12 mil anos. Tinha um nome muito complicado, por isso na gíria da casa dizia-se apenas ‘sala do veado’. O veado não ardeu, só ardeu a cabeça”, conta Sofia Marçal, responsável pela programação da sala desde 2008. O esqueleto do animal ainda pode ser visto no átrio, numa exposição sobre a memória do museu.
A sala permaneceu inutilizada durante mais de uma década, até que em 1990 a artista Fernanda Fragateiro “veio ter com o Professor Galopim de Carvalho, que era o diretor, e propôs-lhe fazer uma exposição nestes espaços. Correu lindamente e a partir desse momento vieram outros artistas”, continua Sofia Marçal. “Estamos a falar dos anos 90, havia poucos espaços alternativos às galerias e os museus ainda não estavam muito virados para expor arte contemporânea. Isto era um refúgio onde os artistas podiam criar e inovar sem terem de se preocupar com o aspeto comercial”.
Joana Vasconcelos, Jorge Molder, Ana Vidigal e Vasco Araújo foram alguns dos cerca de 300 artistas que por ali passaram. Por um valor quase simbólico (destinado a cobrir as despesas com vigilância e eletricidade), podiam alugar a sala por um mês e mostrar o seu trabalho. A montagem ficava a seu cargo e muitos pediam a ajuda a familiares.
“Tenho acompanhado estas montagens todas e o que eles me dizem é que entram nesta sala e vêm um paralelepípedo de cimento, frio, e ficam um bocadinho aterrorizados. A sala acaba por deixar-se envolver, mas fisicamente eles têm de trabalhar. Há aqui um trabalho duro e isso cria uma grande ligação”.
Com o tempo, o nome da sala tornou-se conhecido no meio e os artistas iam ter com Sofia Marçal para expor. “Normalmente a sala tem um ano ou dois de espera. A procura era tal que se não fechasse agora já tinha a programação de 2016 completa”, revela a responsável.
O encerramento, explica o diretor do Museu de História Natural, insere-se no “reenquadramento do programa específico do museu. A sala já cumpriu a sua missão nestes 25 anos. A realização de exposições de arte contemporânea não faz parte do core da nossa missão. E, apesar de termos mais de 5 mil metros quadrados de área expositiva, a área expositiva já começa a ser um bem escasso. Pretendemos continuar com exposições de arte contemporânea mas não neste modelo”, declara José Pedro Sousa Dias.
No futuro, a sala do Veado será ocupada por uma exposição “sobre etno-botânica, ou seja, sobre a relação entre a botânica e as populações, usando objetos naturais aqui do museu de botânica e parte das coleções do Instituto de Investigação Científica Tropical”. Sobre o aspeto inacabado da sala, com o cimento à vista, o diretor esclarece: “Há toda uma ala do museu que tem uma imagem de marca que foi criada depois do incêndio. Não fazemos tenções de alterar muito essa imagem”.
A última exposição da Sala do Veado foi Quarto Escuro, de Adriana Molder. “A sala do Veado era um espaço muito independente, muito central, num museu incrível e numa das nossas ruas mais bonitas. Acho que vai fazer muita falta”, considera a artista.