Sala do Veado ‘já cumpriu a sua missão’ e não vai ter mais exposições de arte contemporânea

Quando os bombeiros chegaram ao local era demasiado tarde para salvar tudo. Por isso atacaram as chamas na parte do Museu de Ciência e do Laboratorio Chimico – pois temiam que ali houvesse substâncias inflamáveis que provocassem ainda mais estragos. Corria o ano de 1978 e o Museu de História Natural ficava sem uma parte…

Uma das alas afetadas foi a de Geologia e Paleontologia, onde se encontrava a sala que agora encerrou. “Antes do incêndio havia aqui um veado com 12 mil anos. Tinha um nome muito complicado, por isso na gíria da casa dizia-se apenas ‘sala do veado’. O veado não ardeu, só ardeu a cabeça”, conta Sofia Marçal, responsável pela programação da sala desde 2008. O esqueleto do animal ainda pode ser visto no átrio, numa exposição sobre a memória do museu.

A sala permaneceu inutilizada durante mais de uma década, até que em 1990 a artista Fernanda Fragateiro “veio ter com o Professor Galopim de Carvalho, que era o diretor, e propôs-lhe fazer uma exposição nestes espaços. Correu lindamente e a partir desse momento vieram outros artistas”, continua Sofia Marçal. “Estamos a falar dos anos 90, havia poucos espaços alternativos às galerias e os museus ainda não estavam muito virados para expor arte contemporânea. Isto era um refúgio onde os artistas podiam criar e inovar sem terem de se preocupar com o aspeto comercial”.

Joana Vasconcelos, Jorge Molder, Ana Vidigal e Vasco Araújo foram alguns dos cerca de 300 artistas que por ali passaram. Por um valor quase simbólico (destinado a cobrir as despesas com vigilância e eletricidade), podiam alugar a sala por um mês e mostrar o seu trabalho. A montagem ficava a seu cargo e muitos pediam a ajuda a familiares.

“Tenho acompanhado estas montagens todas e o que eles me dizem é que entram nesta sala e vêm um paralelepípedo de cimento, frio, e ficam um bocadinho aterrorizados. A sala acaba por deixar-se envolver, mas fisicamente eles têm de trabalhar. Há aqui um trabalho duro e isso cria uma grande ligação”.

Com o tempo, o nome da sala tornou-se conhecido no meio e os artistas iam ter com Sofia Marçal para expor. “Normalmente a sala tem um ano ou dois de espera. A procura era tal que se não fechasse agora já tinha a programação de 2016 completa”, revela a responsável.

O encerramento, explica o diretor do Museu de História Natural, insere-se no “reenquadramento do programa específico do museu. A sala já cumpriu a sua missão nestes 25 anos. A realização de exposições de arte contemporânea não faz parte do core da nossa missão. E, apesar de termos mais de 5 mil metros quadrados de área expositiva, a área expositiva já começa a ser um bem escasso. Pretendemos continuar com exposições de arte contemporânea mas não neste modelo”, declara José Pedro Sousa Dias.

No futuro, a sala do Veado será ocupada por uma exposição “sobre etno-botânica, ou seja, sobre a relação entre a botânica e as populações, usando objetos naturais aqui do museu de botânica e parte das coleções do Instituto de Investigação Científica Tropical”. Sobre o aspeto inacabado da sala, com o cimento à vista, o diretor esclarece: “Há toda uma ala do museu que tem uma imagem de marca que foi criada depois do incêndio. Não fazemos tenções de alterar muito essa imagem”.

A última exposição da Sala do Veado foi Quarto Escuro, de Adriana Molder. “A sala do Veado era um espaço muito independente, muito central, num museu incrível e numa das nossas ruas mais bonitas. Acho que vai fazer muita falta”, considera a artista.