Uma campanha de gente com medo

Esta é a  campanha mais pobre para a eleição de um Presidente da República desde o 25 de Abril.Falo de ‘eleição’ e não de ‘reeleição’.

A primeira eleição não contou, visto que Eanes tinha o apoio do PS, do PSD e do CDS, estando eleito à partida.

A segunda eleição teve como protagonistas Mário Soares, Salgado Zenha, Lourdes Pintasilgo e Freitas do Amaral. Um grande naipe. Houve 2.ª volta (entre Soares e Freitas) e incerteza até ao fim.

A terceira eleição foi disputada entre Jorge Sampaio e Cavaco Silva.

A quarta contou com Cavaco Silva, Mário Soares e Manuel Alegre.

Esta quinta eleição presidencial poderia ter proporcionado um duelo entre António Guterres e Durão Barroso – mas acabou numa dança entre Marcelo Rebelo de Sousa, Sampaio da Nóvoa e Maria de Belém.

As renúncias de Guterres e Barroso mudaram tudo.

Se Guterres se candidatasse, talvez a esquerda só tivesse um candidato; e a direita poderia ter vários: Barroso, Santana Lopes, Marcelo, Rui Rio…

Assim, foi ao contrário.

Marcelo está a fazer uma campanha abaixo das expectativas.

Já foi assim na Câmara de Lisboa em 1989.

Marcelo mostra dificuldade em encontrar o tom certo, o que não é de estranhar.

Habituado durante muitos anos a ser professor e comentador, não é fácil adaptar-se de um momento para o outro a um novo registo.

E não se sente confortável nessa pele.

Antes, era ele quem dava as notas; agora são os outros que o avaliam.

Essa dificuldade em passar de comentador a comentado, de avaliador a avaliado,  até se lhe percebe no rosto: já o vimos a sorrir enquanto o criticavam, como se concordasse com as críticas…

A segunda razão é que Marcelo tem um défice de convicções, o que o leva a fazer uma campanha puramente tática.

Foge a dar opinião sobre o tudo e mais alguma coisa, com o pavor de perder votos.

E com isso cai em armadilhas, como desdizer o que disse nos seus comentários televisivos.

Em muitas situações, seria preferível Marcelo assumir frontalmente o que disse em vez de fugir com o rabo à seringa.

Transmitiria a imagem de um homem com coragem – e não de um homem acossado, com medo das suas próprias opiniões.

Sampaio da Nóvoa é muito vago, redondo, fazendo lembrar irresistivelmente o outro Sampaio (Jorge).

Está sempre a falar de generalidades, como a ‘cidadania’.

Também poderia ser uma Maria de Lourdes Pintasilgo de calças.

Responde bem às acusações de falta de experiência, dizendo que é preciso gente nova na política e que os de sempre já mostraram o que valem.

Mas fala de um «tempo novo», quando ele próprio parece ter ficado parado num tempo velho, ou seja, nos idos do Maio de 68 francês.

Introduziu bem a questão das ‘causas’, mas não as sustentou bem: em lugar de ter escolhido causas transversais, comuns a todas as forças políticas – como as crianças sem família, a poluição dos oceanos ou a baixa natalidade –, escolheu ‘causas’ que o encostaram à esquerda.

Desiludiu nos debates, onde não mostrou os recursos oratórios que tinha patenteado nalguns discursos feitos antes de se candidatar.

Maria de Belém tem contra ela ser um tanto ou quanto insignificante.

Não é só ser pequena – é ser demasiado discreta, demasiado ‘conveniente’.

A seu favor tem a firmeza.

Começa a falar e vê-se que é um osso duro de roer.

É persistente e combativa.

Politicamente, soube colocar-se ao centro.

Enquanto Nóvoa está à esquerda e Marcelo está em toda a parte, Maria de Belém está ao centro.

E tem ainda a vantagem de ser mulher, o que antes era um handicap e hoje é uma mais-valia.

Henrique Neto apareceu na corrida como sendo capaz de dizer as verdades incómodas que ninguém dizia.

A idade também lhe permitia esse luxo.

Transbordava coragem.

Mas a campanha limou-lhe as arestas.

No debate com a candidata do Bloco de Esquerda dizia que sim a tudo: devolução das pensões? Sim! Devolução dos salários? Sim! Desobedecer à Europa? Sim. Até esta coligação de Governo, que tanto criticou, está bem assim.

Esta adesão ao politicamente correto, esta colagem às medidas populares, num homem que tinha como principal trunfo ser incómodo e ter a frontalidade de dizer coisas diferentes, diminuíu Henrique Neto.

Dos outros candidatos falarei telegraficamente.

Jorge Sequeira parece que faz gala em ser clown: fez de uns óculos inenarráveis e do uso e abuso de trocadilhos a sua imagem de marca.

Marisa Matias é cordata mas limita-se a fazer a campanha do BE numa versão cor-de-rosa, adaptada (mais ou menos) a Belém.

Edgar Silva idem: é simpático mas não fez mais do que reciclar a cartilha do PCP para efeitos de campanha presidencial.

Paulo Morais é o populismo à solta, embora educado: faz acusações de corrupção a torto e a direito, mas não apresenta nada de concreto.

Cândido Ferreira teve a coragem de abandonar um debate, por discordar do método, mas não se viu mais.

Tino de Rans não devia ter sido admitido como candidato, pois chumbava no exame da 4.ª classe.

P.S. – As notícias começam a cair de mansinho, mais cedo do que se esperaria. Na terça-feira, os jornais noticiavam que «o IGCP só vai reembolsar 3,3 mil milhões de euros ao FMI em 2016, em vez dos dez mil milhões previstos». Os cofres cheios começam a ficar vazios. É claro que os candidatos não falam disto. Tal como o Governo, querem fazer crer que vivemos no melhor dos mundos. Que a austeridade não era necessária e foi uma malfeitoria do Governo anterior. Será destas pessoas com medo que o país precisa?

jal@sol.pt