David Duchovny: Entre Mulder e Moody

Pode ter feito dezenas de outros trabalhos, mas David Duchovny estará sempre condenado – para o bem e para o mal – a ser associado a apenas dois papéis: o de Fox Mulder em “Ficheiros Secretos” e o de Hank Moody em “Californication”.

Diz que, se lhe tivessem perguntado há dez anos, o que pensava acerca do regresso dos “Ficheiros Secretos” não teria dúvidas em responder: “Nem pensar!” Mas a vida tem mesmo destas coisas. Dá voltas e voltas. E 23 anos depois da estreia, a série que fez da ficção científica uma moda está de volta. E com ela, a sua dupla: os agentes da FBI Fox Mulder e Dana Scully, ou David Duchovny e Gillian Anderson.

“Ficheiros Secretos”, emitida entre 1993 e 2002, num total de 202 episódios, foram uma daquelas séries de culto, que levou toda uma geração a perder a conta aos compromissos que desmarcou só para não perder um episódio. É que, na altura, gravar ou recuar ainda não era terminologia associada à televisão. A não ser se lá em casa houvesse VHS.

As aventuras e desventuras desta dupla, obcecada por fenómenos paranormais e conspirações governamentais, fizeram de toda uma geração também obcecada, mas por eles.

Apesar de, com o avançar dos anos e das temporadas, o formato ter perdido fôlego e adeptos, entrando numa espécie de ram-ram previsível – um pouco como acontece com todas as séries de longa duração – ficou sempre marcada como um dos maiores fenómenos de culto dos anos 90.

É, portanto, fácil perceber que o seu regresso fosse tão ansiado. Um pouco como aqueles amigos que não vemos há muitos anos e dos quais temos muitas saudades, mas que quando finalmente reencontramos depressa nos recordamos que contam as piores piadas do mundo. É esse o risco que correm estes 12 episódios da nova fase de “Ficheiros Secretos”, assinados por Chris Carter, o mesmo realizador de sempre, e com o regresso dos pilares centrais do elenco.

Se a sua parceira Gillian Anderson ficou para sempre associada a este papel, David Duchovny conseguiu dividir as atenções com um outro papel tão, ou mais, marcante: o de Hank Moody, o escritor deprimido e com problemas sentimentais de “Californication”. Uma série que também conseguiu criar uma legião de fãs e, em simultâneo, provar que é possível apaixonarmo-nos duas vezes pelo mesmo ator, seja ele um louco obcecado por extraterrestres ou um louco obcecado por sexo.

Na verdade, depois de “Ficheiros Secretos”, Duchovny parece ter-se dedicado a tentar encontrar algo que pudesse passar uma borracha nos anos de agente do FBI. Não porque estes o envergonham, mas porque, convenhamos, ser reconhecido sempre pelo mesmo papel deve estar longe de ser uma coisa particularmente agradável.

Apesar das dezenas de personagens, em televisão e em cinema, que este nova-iorquino filho de imigrantes judeus da Rússia, e formado em Literatura Inglesa em Princeton, abraçou, foi apenas em 2007 que conseguiu encontrar um substituto à altura para Fox Mulder. Com a série “Californication”, David Duchovny passou de ator que tinha tido um grande sucesso do qual as pessoas se fartaram e que desde então não foi além de filmes B, para ator que interpreta o mais cool de todos os gajos. De repente todos os homens queriam ser Hank Moody. E todas as mulheres rezavam para não se cruzarem com um Hank Moody.

“Californication” aborda o quotidiano de um escritor que enfrenta um longo writer’s block depois de ter assinado um bestseller. Ao mesmo tempo tenta aprender a viver na Califórnia e recuperar uma relação com a mulher que diz nunca ter deixado de amar e com a filha de ambos. Claro que Hank Moody falha redondamente – e sucessivamente – nestas tentativas. Mas é tão charmoso ao fazê-lo que se torna difícil não simpatizar com ele. Em Junho de 2014 foi para o ar o último episódio – provando que Duchovny aprendeu a lição de que quase dez anos da mesma série nunca é boa ideia.

Na ressaca de Hank Moody, Duchovny decidiu finalmente dar uso ao seu curso de Literatura e lançar o primeiro romance. “Vaca Sagrada” (ed. Saída de Emergência) é uma espécie de fábula dos tempos modernos, que é suficientemente incorreta para agradar a adultos. “Tenho mais dúvidas como ator do que como escritor”, disse ao “Guardian”, a propósito deste livro. Nós dizemos que não tem razões para dúvidas.

raquel.carrilho@sol.pt