Há seis meses, Wang Yu e Zhou Shifeng, advogados numa firma de Pequim conhecida pela defesa dos direitos humanos, deixaram de ser vistos. Wang Yu desapareceu depois de ter dito a amigos que a porta da sua casa estava a ser forçada. O seu chefe, Zhou Shifeng, foi levado por três homens não identificados.
Esta semana foi conhecida a sua sorte, bem como a do marido de Wang e a de onze das dezenas de pessoas levadas durante uma vaga repressora contra chineses ligados à advocacia que teve início em julho de 2015. Onze foram acusados, três libertados sob fiança.
Zhou, Wang e mais quatro foram acusados de subversão e enfrentam a prisão perpétua. Outros cinco acusados estão sujeitos a penas igualmente graves – grupo onde se encontra Bao Longjun, o marido de Wang Yu. Mas a mão das autoridades chegou mais longe, ao filho do casal, Bao Zhuoxuan, de 16 anos, levado de Mianmar, na fronteira com o seu país, por homens em uniforme enquanto tentava fugir para os EUA com a ajuda de um cidadão norte-americano de origem chinesa. Em outubro, este ativista relatava ao New York Times que Bao estava em prisão domiciliária em casa dos avós, na Mongólia, e que nem um nem outro atendiam os seus telemóveis.
Entre julho e setembro de 2015, mais de duas centenas de advogados e seus colaboradores foram interrogados, presos, ou desapareceram. Ainda se desconhece o paradeiro de Li Heping, por exemplo, outro famoso defensor dos direitos do homem que não é visto há mais de meio ano. «Basicamente, não há qualquer informação sobre o seu estado» disse Maya Wang, da Human Rights Watch de Hong Kong, ao Guardian.
As autoridades têm usado com grande liberdade uma já de si duvidosa possibilidade legal: a ‘prisão domiciliária em local designado’. Segundo o Código Penal chinês, a família do detido deve ser informada do seu paradeiro «a não ser que [tal] notificação não possa ser processada». A «realidade é que geralmente as autoridades recusam revelar às família ou advogados o local onde os indivíduos estão detidos», relata o site de ativistas China Change. O resultado, continuam, «é o advogado do suspeito ir de centro de detenção em centro de detenção, de esquadra da polícia em esquadra da polícia, numa vã tentativa de perceber onde ele está». E tudo isto pode acontecer por seis meses, sem necessidade de qualquer formalidade.
Ainda no mesmo site, aparece traduzido um tweet de julho de 2015, escrito por Hua Chunhui, um dissidente chinês, que explica bem a realidade deste tipo de prisões. «’Um homem que estava detido ao mesmo tempo que eu, alegadamente por envolvimento com uma quadrilha criminosa, começou por ser preso num centro de reeducação- através-do-trabalho e, depois, em ‘prisão domiciliária em local designado’. Vários meses depois regressou ao centro de detenção. Relatou-me que não era um lugar para seres humanos’. Nesse momento Hua entendeu ‘os horrores da prisão domiciliária em local designado’». Ao mesmo site, He Depu (outro ativista que esteve preso em 2002) considera que a «’prisão domiciliária em local designado’ é um dos mais cruéis sistemas de tortura existentes».
‘Auxílio à investigação’
Em Hong Kong, que tal como Macau é uma Região Administrativa Especial, com tribunais próprios e um sistema legal independente, um por um foram desaparecendo cinco homens nos últimos três meses. Todos pertencem a uma editora especializada em livros críticos para o regime de Pequim, estando a preparar-se para lançar um sobre a vida extra conjugal de Xi Jinping, o presidente da China. Um dos desaparecidos é Gui Minhai, cidadão sueco que em novembro sumiu na Tailândia. E o mais proeminente é Lee Boo, um dos acionistas da Causeway Bay Books, que também tem dupla nacionalidade, chinesa e britânica. O homem, de 65 anos, desapareceu em dezembro, pensando-se que tenha sido levado por elementos das forças de segurança chinesas violando um acordo de ‘um pais, dois sistemas’. Recentemente, a sua mulher retirou a queixa que tinha apresentado na polícia, reportando a sua desaparição, depois de ter recebido uma carta onde este afirmava estar a colaborar com as autoridades numa investigação. «Acredito que foi escrita voluntariamente e foi por isso que retirei a queixa». Crê-se que o terá feito segundo instruções.
William Nee, especialista da Amnistia Internacional para a China, disse à AP que «o que se vê na China continental a todo o tempo é que a polícia e a segurança do Estado colocam enorme pressão sobre membros da família para não falarem com os media e não fazerem barulho nas redes sociais. Se de facto foram elementos da segurança do Estado que detiveram Lee Bo, questiona-se se as mesmas táticas não estarão a ser usadas para silenciar os membros da sua família aqui em Hong Kong».
Um representante da China neste território disse ontem que é «muito, muito claro» que as forças de segurança de Pequim não podem entrar em Hong Kong, mas acrescentou que «é muito complicado investigar casos como estes. Demora a encontrar uma eventual verdade». Ainda há pouco tempo, o ministro dos Negócios Estrangeiros do país tinha avisado que «não devem ser feitas especulações sem sentido» quanto a Lee, advertindo ainda que este é, «acima de tudo, um cidadão chinês».
Os desaparecimentos têm também atingido figuras da alta finança chinesa. Na semana passada desapareceu Zhou Chengjian, na lista dos mais ricos do país e dono da gigante cadeia de roupa Meters/bonwe. Ainda não apareceu. Em dezembro, Guo Guangchang, o líder da Fosun – maior investidor chinês em Portugal – também esteve em parte incerta durante uma semana. Tal como Lee Boo, a «auxiliar as autoridades numa investigação» anunciou a sua empresa.