A verdade é que, mesmo sem o casaco a atrapalhar, Joana Metrass ainda é daqueles rostos que passa despercebido. Quer dizer, não passa, dada a sua beleza exótica. Mas passa enquanto atriz. Nos anos em que trabalhou em Portugal, fez sobretudo teatro e cinema, passando assim sob o radar das massas. Agora, dividida entre Londres, Vancouver e Los Angeles, começa a dar nas vistas. Mas ainda poucos sabem que é portuguesa.
Acabou de dizer que “Pela primeira vez vou ficar contente por regressar a Los Angeles”. Quando vem a Portugal, o regresso custa sempre?
Há uma música, penso que se chama “Senhora do Destino”, que diz “O trem que chega é o mesmo trem da partida”. É verdade. É sempre um momento agridoce. A partida é sempre difícil, mas a chegada é boa. Claro que o momento das despedidas no aeroporto dói. A minha sorte, uma vez que passo a vida em aviões, é que adoro estar em trânsito.
Como assim?
É quase um processo meditativo. Não estou em mais lado nenhum, estou ali, mas ao mesmo tempo não estou bem ali. É a terra de ninguém. E ali está tudo fora do controlo – e eu controlo sempre tudo, por isso gosto de, por vezes, experienciar essa sensação de falta de controlo, de me deixar ir. Se o avião se atrasar o que é que eu vou fazer? Tenho de estar ali, presente, e isso tem qualquer coisa de meditativo. Quando estou em Londres uso muito o metro e, apesar de ler muito, não o faço, fico apenas ali, a ver as pessoas, fascinada, quase em meditação.
A beber informação?
Completamente! Em Los Angeles sinto falta disso porque é muito difícil ver pessoas como se vê noutras cidades em que se anda mais na rua. Los Angeles é gigante e toda a gente anda de carro. A primeira vez que cheguei a Los Angeles precisava de encontrar um sitio para comprar um SIM Card para o telefone e pensei apanhar um autocarro e sair numa zona mais movimentada. Saí num sitio onde afinal não havia nada e comecei a andar, achando que iria encontrar logo mais lojas. Andei cinco horas e voltei para casa sem SIM Card.
É-lhe difícil lidar com esse contraste entre as duas cidades?
Sim. A primeira vez que estive em Los Angeles fiquei três meses e portanto não ia comprar um carro. Estava a estudar e decidi que faria como sempre fiz noutros sítios e ia de autocarro para a escola. Demorava duas horas a ir e duas a voltar. Tudo para ter uma hora de aulas. Ninguém anda de autocarro em Los Angeles. Tenho uma amiga a quem caiu um homem no colo a morrer com uma overdose. Os transportes públicos de Los Angeles proporcionam os cenários mis estranhos.
Acabou por comprar um carro?
Tive sorte. Um amigo foi uns meses para Londres e deixou-me o carro. Mas continuo sem comprar um para mim.
A compra de um carro, de um apartamento, são aspetos que tornam mais real a mudança de país?
Muito. Em dois anos mudei de casa 18 vezes. A minha casa é a minha mala de viagem. A ideia de ter coisas que me prendam a um sitio, por um lado, é algo que quero muito, por outro, complicam-me muito a vida. Em Los Angeles, quando me voltei a mudar para lá, agora em Janeiro, decidi arranjar uma casa. Ganhei coragem e fiz um contrato de um ano. E comprei móveis! Passei um mês e meio a tratar disso e assim que estava tudo feito, voltei para Londres para trabalhar. Depois de dois meses, regressei a Los Angeles a achar que ia assentar, e fui escolhida para a série “Era Uma Vez” e mudei-me para Vancouver. No regresso fui para Nova Iorque. Durante o ano de contrato da casa, estive lá, se juntar os dias todos, uns três meses. E agora o que faço aos móveis se não sei para onde vou?
Não sabe o que vai fazer agora?
O problema não é o que vou fazer, é mesmo para onde vou. Há várias coisas em cima da mesa. Poderei ficar mais uns tempos em Vancouver, ir para Nova Iorque, ou voltar para Londres pois tenho um filme que vai sair agora. Vou estar um mês em Los Angeles e depois terei de decidir.
Como é que se constrói uma carreira assim?
Ter um agente é importante. Mas eu também sou um bocadinho de extremos. Todos os meus amigos que se mudaram para o estrangeiro conseguiram ter vidas mais estáveis. Decidiram que iam para Londres e ficaram lá. Mas eu não consigo. Se não está a acontecer nada no sítio onde estou e existe a possibilidade de haver mais oportunidades noutro, vou. Não sou capaz de fazer as coisas a meio termo em nome de alguma estabilidade. Prefiro ir atrás das oportunidades. Não sou muito boa a ficar à espera que as oportunidades aconteçam. Dou a volta ao mundo, dou três cambalhotas e vou para onde estiverem. E por vezes chego lá e não está lá oportunidade nenhuma. E volto para atrás.
Foi isso que a fez ir a primeira vez?
A primeira vez que me despedi da minha família tinha 16 anos. Mas estava excitadíssima. Fui fazer um intercâmbio de um ano para os EUA. Na altura eles incentivavam a que tivéssemos o mínimo de contacto com a nossa família de origem. Habituei-me a viver com a minha família americana, chamava-lhes mãe e pai.
E como foi a primeira ida profissional?
Sempre tive muito a vontade de ir para fora. O meu sonho era ser atriz, mas era também viver fora, em culturas diferentes. Mas depois foram acontecendo cosias e fui ficando em Portugal. Até ter tido uma crise de quarto de século e pensei: “Ai meu Deus tenho de me ir embora que estou desde os 20 a adiar!”. Fui para Londres.
Sem nada planeado?
Levava uma lista dos melhores agentes de Londres e andei a bater às portas. E algumas abriram-se. Acabei por assinar com um bom agente e nessa altura mudei-me para lá. Decidi que iria dar-me três anos para ver se acontecia alguma coisa. Por enquanto tem acontecido… Mesmo assim, quando cheguei a Londres arranjei logo um part-time a trabalhar num teatro, como rececionista. Só fiquei três semanas porque fui escolhida para fazer um filme e fui para a Irlanda.
Não chegou a servir às mesas, como acontece com tanta gente que tenta a sua sorte em cidades como Londres e Los Angeles?
Não. Aconteceu tudo muito depressa para mim. Principalmente o início. Cheguei e logo de seguida já estava a fazer o “Drácula Untold”, depois fui logo fazer o Guy Ritchie [“The Man From U.N.C.L.E.] e depois comecei logo a fazer o “The Spoiler”, que só vai estrear agora. Entretanto ganhei uma bolsa da Gulbenkian e fui para Los Angeles. Nessa altura tive uns meses em que não aconteceu nada e foi difícil, até porque estava habituada a outro ritmo. Ainda por cima, nessa altura, surgiram vários convites daqui de Portugal. E recusei-os em nome de nada, só porque tinha fé que ia continuar a ter oportunidades. Mas claro que há sempre momentos de angústia. Sobretudo porque lá fora há casting para tudo, não interessa o nível em que se está. E portanto não há nada garantido, por muito que já tenhamos feito antes.
Em Portugal não é dado tanto peso ao casting. Já se habituou à importância do casting?
Em 100 castings, ouvimos 99 nãos e um sim. Se só ficarmos felizes quando ouvimos o sim, se o casting for só um meio de chegar a algo, vive-se uma vida muito infeliz. Prefiro ver cada casting como uma oportunidade de fazer aquilo que mais gosto de fazer. Para cada casting tenho de decorar um texto, preparar uma personagem e apresentá-la a um público, que até pode ser só uma pessoa e uma câmara. Mas estou a fazer aquilo de que gosto. Claro que o melhor é ouvir um sim, mas temos de saber aproveitar o processo. Senão é um vazio.
Um vazio ainda mais difícil de enfrentar quando se está longe da família?
Tento não me focar nisso.
Mas há dias mais difíceis.
Há, mas abençoado seja o Skype. E hoje em dia já tenho bons amigos fora. Em tempo de guerra as coisas têm outra intensidade. Os amigos passam a ser a família longe de casa. E eu tenho muita sorte com os amigos que tenho encontrado. Mesmo dentro da área. Não tenho nada essa experiência de os atores serem maus uns para os outros.
Disse que continua a receber convites para trabalhar em Portugal. Sente que ainda não se esqueceram de si?
Sim. Tenho muita sorte. As pessoas tendem a achar que nos vamos embora porque não temos trabalho cá ou até por desdém. Mas o meu caso não é nenhum destes, tem a ver com um espírito de aventura. Acho que temos profissionais incríveis cá e sempre tive a sorte de ter trabalho e pessoas que acreditaram em mim. Essas pessoas continuam a manter-me a porta aberta. Sinto que as pessoas que acreditavam em mim continuam a acreditar. Mas tento não ver nada como garantido.
Apesar de sentir esse reconhecimento da classe, tem noção que o seu nome é desconhecido para a grande maioria do público?
Claro. Escolhi sempre projetos que tinham mais a ver com aquilo em que acreditava, do que com aquilo que me podia dar fama ou visibilidade.
Mas passou pelos “Morangos com Açúcar”.
Foi uma participação muito pequena, mas da qual não me arrependo. Deu-me imenso prazer. Até porque nunca tinha feito televisão. Falam-me sempre muito de ter feito os “Morangos”, mas só fiz um mês de filmagens. Foi das últimas coisas que fiz antes de ir para fora. Antes disso tinha trabalhado sem parar durante cinco anos.
O não ser reconhecida na rua dá-lhe tranquilidade ou tristeza?
Dá-me imensa tranquilidade. Gosto do meu canto. Já me aconteceu estar num restaurante e tinha uma televisão em cima da minha cabeça onde estava a dar “A Princesa”, que é um filme onde 90% é a minha cara. E as pessoas da mesa do lado estavam a olhar para baixo e para cima, a tentarem decidir se era mesmo eu, ou não. E apesar de eu estar ali e a minha cara estar no ecrã, acharam que não era eu, que não era a mesma pessoa. As pessoas não me reconhecem.
Mas tem noção que, por estar a trabalhar fora, isso irá acabar e que vão surgir comparações com outros atores, como por exemplo a Daniela Ruah?
Digo sempre que não sei quando me cairá a ficha, mas a verdade é que continua sem cair. Há um lado de carinho que sabe muito bem, claro. Ainda agora estive, como outros elementos do elenco do “Era Uma Vez”, na Comic Con Portugal. De repente estava num painel a falar para mil e tal pessoas. Todas a fazerem-me perguntas. Esse carinho sabe bem. Mas acho que o meu caso é diferente do da Daniela Ruah porque ela já era muito conhecida cá e portanto assim que a viram na série reconheceram logo a cara dela. Há muita gente que me vê na série “Era Uma Vez”, no papel de Guinevere, e nem sabe que sou portuguesa.
E, pelo contrário, para o elenco da série é ‘a portuguesa’?
Onde trabalho sabem sempre que sou portuguesa. Até porque, em cenas mais difíceis, ajuda-me muito fazer as cenas em português. Por muito bem que fale em inglês, primeiro preciso perceber onde é que as palavras me tocam em português para depois fazer a cena em inglês. Por isto, às vezes, nos sets, faço as cenas em português.
Nunca sentiu que poderia ficar refém dos papéis normalmente associados aos atores portugueses que trabalham no estrangeiro?
Isso não acontece só ao português. Tem muito a ver com os próprios mercados, que trabalham de uma forma que leva os atores a ficarem presos a um tipo de personagem. Mas isso era algo que me preocupava muito. Nunca fiz nenhuma criada propriamente dita. Mas já fiz de espanhola, italiana, francesa, euro-asiática, arménia. Só nunca fiz de portuguesa.
Tem outras manias além de traduzir as cenas para português?
Às vezes canto as cenas… A música é algo que me toca muito. Vou ser sempre uma atriz capaz de cantar, e não uma cantora capaz de representar, mas adorava fazer um musical. Amava fazer o papel que a Meryl Streep fez no “Mamma Mia”. Acho que se deve ter divertido imenso. O Colin Firth, aliás, disse sobre esse filme que quase achava errado pagarem-lhe para se divertir tanto.
Já sentiu algo semelhante?
Costumamos dizer a brincar que somos pagos para esperar e representamos por prazer.
É o cinema que mais a seduz?
É. Adoro teatro, foi onde comecei, e estou com saudades de fazer teatro. Mas se fosse mesmo, mesmo, mesmo obrigada a escolher, escolheria o cinema.
Como surgiu a oportunidade de trabalhar com Guy Ritchie?
Normalmente, em muitos dos castings, nem se sabe quem são os realizadores. Mas neste caso, sabia-se, o que só aumentou a pressão. Tinha acabado de filmar o “Dracula Untold” quando apareceu este casting. A minha personagem inicialmente era italiana e por isso fiz a primeira fase de casting toda em italiano. Depois disso ligam-me a dizer “Guy wants to see you again”. E eu a pensar: “Ah, o Guy, claro…”. Como se fosse todos os dias que me ligam a dizer que o Guy Richtie quer ver-me. Para mim é um realizador de culto.
Como foram as filmagens?
Foi uma experiência mágica. Cheguei para a minha cena e ele estava sentadinho numa cadeira, encostado a um móvel, com um ar muito simples. Depois, percebe-se o mundo que se passa naquela cabeça. É muito ativo a dar indicações, sabe muito bem o que quer, mas também dá abertura para o que possa acontecer nas filmagens.
Nesse filme teve apenas uma pequena participação, mas agora vai estrear “The Spoiler”, onde assume o lugar de protagonista.
Sim. É uma longa da British Filmakers Alliance. Foi das personagens que mais gostei de fazer, é uma mulher com muitas faces, mas que na verdade é uma verdadeira psicopata. Gosto muito de interpretar mulheres com distúrbios, de fazer trabalho de pesquisa, de ir aos psicólogos. Fomos todos viver para a casa onde filmávamos, perto de Londres, e isso permitiu criar ligações muito diferentes.
Muito diferente do processo de gravação da série “Era Uma Vez”, onde dá vida a Guinevere?
Um episódio demora uma semana e meia a ser filmado, portanto tem muito em comum com o cinema. Depois, os cenários são incríveis: há uma torre do Merlin construída no estúdio, há uma floresta lá no meio… E_muita gente!
E afinal vai ou não continuar?
Está tudo em aberto, não posso mesmo revelar.
Quando se começa a trabalhar nos mercados estrangeiros, é inevitável voar alto e pensar em prémios como os Emmy ou até os Óscares?
Não é pelos prémios que trabalho, mas não faz sentido dizer que não se gostaria de ganhar. Até porque, se ganharmos um prémio como um Óscar, o reconhecimento aumenta tal como a probabilidade de termos mais trabalho.
Há pouco referiu que já interpretou uma panóplia de nacionalidades. Tem a ver com a sua própria herança?
Acho que sim. Do lado do meu pai sou cabo-verdiana, chinesa e holandesa. Do lado da minha mãe sou argentina, francesa e italiana. E portuguesa, claro. Mas além disto já estudei várias línguas e, sobretudo, tenho tido muitas aulas para aprender diferentes sotaques. E também tenho a sorte de ter traços que me permitem ser nacionalidades muito diferentes.
A Joana tem toda essa herança, mas nasceu em Portugal?
Sim. Tem a ver com os meus avós e os meus pais. Os meus pais já se conheceram cá e eu nasci cá.
Essa multiculturalidade acompanhou-a ao crescer?
As massas da minha mãe vinham claramente do meu lado italiano. Mas acima de tudo o que senti sempre foi que vinha de uma família com raízes por todo o lado e que, por isso, o mundo inteiro é a nossa casa. Quando eu nasci, a minha irmã mais velha já estava nos EUA a fazer o mesmo intercâmbio que eu fiz depois. Aliás, eu descobri esse intercâmbio muito nova porque li uma carta da minha irmã mais velha e achei que tinha uma irmã que me andavam a esconder. Foi um drama. Na verdade era uma estudante de intercâmbio que tinha vivido em nossa casa e tratava os meus pais por pai e mãe._Tal como eu depois também fiz com a família que me recebeu nos EUA. O meu pai ria-se às gargalhadas. Na minha família tivemos sempre a sede de conhecer o mundo.
As questões do feminismo estiveram sempre presentes na sua vida, até na infância, uma vez que é filha de Célia Metrass?
Foi sempre um assunto presente da minha vida. Da forma mais natural. Fui educada, tal como as minhas irmãs, que não éramos inferiores por sermos mulheres. Sou orgulhosa e assumidamente feminista._A_minha mãe é uma das fundadoras do Movimento Feminista em Portugal. Cresci com isso e é algo muito presente na mulher que sou. A Maria Teresa Horta era a tia Teresinha do gato.
Estamos no caminho certo?
Ainda existe muito medo à volta da palavra feminista mas não devia haver. Muitas pessoas ainda acham que o feminismo é o oposto do machismo. E não é. O feminismo é acreditar e lutar pela igualdade.
Quando começou a sentir que queria ser atriz?
Sou atriz porque sinto que tenho muita vida e preciso de viver mais vidas do que só a minha, preciso de ter mais experiências do que é possível ter numa só vida. Lembro-me de, na adolescência, volta e meia, ir a uma loja ou a outro sítio qualquer, e comportava-me como outra pessoa. A minha melhor amiga do liceu é que me começou a dizer que eu devia ser atriz porque as pessoas acreditavam naquilo que eu fazia. Comecei a pensar nisso e percebi que ser atriz não era uma escolha para mim, era uma necessidade. Depois de vir dos EUA fui para o Conservatório.
O que recorda desses anos?
Recordo-me de estar tão cansada, no terceiro ano, que chegava a ir dormir com a roupa que ia usar só para poder dormir mais cinco minutos de manhã. Até porque fui tendo trabalho ainda a estudar. Fiz algumas curtas e logo no segundo ano fiz o meu primeiro filme, “E o Tempo Passa”, com o Alberto Seixas Santos. No terceiro ano fiz outro filme no último ano já estava numa peça de teatro.
Desde que terminou o curso ganhou sempre a vida como atriz?
Sempre. E esse é mesmo o meu grande sonho: poder sustentar-me com o meu trabalho de atriz. Mas é difícil ser atriz e feminista. Ainda há muitos papéis que fazem uma enorme exploração sexual da mulher e da sua imagem. Não tenho problemas com a nudez, desde que faça sentido para a obra. Mas não posso é concordar com os padrões de que a mulher ou é linda e sexualizada ou é a amiga gordinha.