Dias antes, Sean Penn revelara em artigo na “Rolling Stone” que conseguira chegar ao líder do cartel de Sinaloa graças à colaboração da atriz mexicana Kate del Castillo, a quem El Chapo tinha atribuído a missão de liderar um projeto cinematográfico sobre a sua vida. Ao descrever a viagem até ao quartel-general do narcotráfico, em outubro do ano passado, o ator norte-americano mostrou surpresa por nunca ter tido os “olhos tapados”: “Devido à sua fé em Kate, que ele nunca conhecera sem ser por cartas ou mensagens codificadas, gozámos de uma confiança pouco habitual”. A relação entre duas figuras saídas de realidades antagónicas da sociedade mexicana começou em janeiro de 2012.
Filha do afamado ator Eric del Castillo, Kate estreou-se na televisão com 19 anos, como uma das quatro muchachitas da novela com o mesmo nome. Mais tarde seguiria para Hollywood, onde depois de vários papéis em filmes menores, dá nas vistas na série “Weeds”, onde faz de narcotraficante mexicana. Perfil que viria a consagrá-la no seu país, mas aí no papel de Teresa Mendonza, chefe de um cartel de droga no sul de Espanha na novela “Rainha do Sul”. No auge da fama, escreveu no Twitter: “Confio mais em El Chapo que nos governos que escondem verdades como a cura do cancro ou da sida para seu próprio benefício e riqueza”.
Joaquín Guzmán – ou El Chapo, o baixote, que contou a Sean Penn ter começado a cultivar papoilas e marijuana aos 15 anos por ser “a única maneira de ter dinheiro para comprar comida e sobreviver” – não resistiu. Através de advogados chegou à estrela da TV e desde então tornou-se regular a troca de correspondência entre os dois, fosse através de cartas para a prisão ou de blackphones – telefones que encriptam as chamadas – quando o traficante estava em fuga às autoridades.
“É um duplo fascínio”, explicou recentemente no “El País” o escrito espanhol Arturo Pérez-Reverte, autor de Rainha do Sul que acompanhou a produção da versão televisiva do seu romance. “Da atriz que encarna uma narcotraficante, devido à personagem, e o narco seduzido pela perfeição da interpretação”, diz o espanhol sobre a relação mais badalada no México desde que Guzmán voltou a ser detido, no início do ano, precisamente devido à ousadia de receber duas figuras de Hollywood no seu esconderijo.
No meio do frenesim, Kate diz que contará “brevemente” a sua versão da história, enquanto o seu pai explica que o silêncio se deve ao receio de ser “mal interpretada”. Foi assim em 2013, quando numa entrevista defendeu que o elogio a El Chapo fora uma “total ironia” embora assumindo o afeto pelo mundo do narcotráfico: “Quando cruzas essa linha ficas a sentir-te poderosa”. No seu próximo trabalho, fará de primeira-dama mexicana capaz de “criar um Presidente, deixar um Presidente e matar um Presidente”, diz o anúncio da “Netflix”, cadeia que emitirá Ingovernáveis.
Até lá, a imprensa mexicana vai revelando detalhes da sua ligação a El Chapo, incluindo mensagens privadas: “Levarei a minha tequilha para partilhar contigo, é um sonho que tenho por cumprir”, disse Castillo antes de seguir para montanhas de Durango; “Se trazes vinho, beberei. Não costumo beber mas na tua presença será belo. És o melhor deste mundo, tenho fé de que estarás aqui bem. Cuidarei de ti melhor do que os meus olhos”, ripostou o traficante à sua musa.
“Não durmo desde que te vi”, escreveu Kate depois do encontro, assumindo não conseguir “pensar noutra coisa”. A solução passava por um novo encontro, mas o traficante não queria voltar a hospedar a convidada num bungalow no meio da selva e mandou preparar uma das suas vivendas em Los Mochis. Guzmán esperava Kate no fim de semana, a polícia chegou na sexta-feira.