Apanhado gangue búlgaro que roubava de Norte a Sul

Quem nasce na comunidade Roma entra no mundo do crime aos cinco anos. Em 2009, chegou a Portugal um gangue de 38 ‘Romas’ que roubou quase 250 mil euros a idosos. Foram agora acusados pelo DIAP do Porto.

O esquema era sempre o mesmo e repetiu-se ao longo de quatro anos. Duas ou três mulheres estrangeiras aproximavam-se de pessoas mais velhas que estivessem a fazer um pagamento com Multibanco e decoravam o código que estas digitavam. Depois seguiam-nas e tiravam-lhes o cartão.

Nos últimos dias, o Departamento de Investigação e Ação Penal (DIAP) do Porto acusou um grupo de 38 búlgaros, todos já com cadastro em cerca de 20 Estados europeus, pelos crimes de associação criminosa, roubo, burla informática qualificada e furto qualificado. Os crimes aconteceram de norte a sul do país e alguns dos acusados usavam mais de uma dezena de identificações.

Segundo a investigação, só nos crimes que foram esclarecidos, os arguidos conseguiram arrecadar quase 250 mil euros em dinheiro e em pagamentos de serviços, sobretudo carregamentos de telemóveis de redes nacionais que eram usados para comunicarem dentro e fora de fronteiras. Dos acusados, 21 estão em prisão preventiva.

«Escolhiam, como vítimas preferenciais, pessoas idosas – e, por via disso, especialmente indefesas porque sem capacidade de reação ou mesmo de perceção rápida – de quem se aproximavam, no sentido de poderem visualizar o código que estas digitavam em terminais informáticos ou em máquinas automáticas», refere a acusação, a que o SOL teve acesso.

Muitos dos levantamentos eram feitos ao início da madrugada, uma vez que os arguidos conheciam o funcionamento da rede Multibanco e sabiam que, depois de esgotarem o plafond diário, só poderiam voltar a tirar dinheiro das máquinas quando passasse a meia-noite. Por norma, faziam-no logo de madrugada, referem os investigadores, receando que na manhã seguinte o cartão fosse cancelado pelo banco.

Deixavam vítimas sem dinheiro e fugiam para longe

Também não havia sensibilidade para evitar pessoas com dificuldades económicas. Todos serviam desde que fossem idosos, diz o Ministério Público (MP): «Os arguidos atuavam com total indiferença à idade das vítimas, bem sabendo e aceitando que – por via disso – se enriqueciam à custa das parcas poupanças ou rendimentos destas, podendo deixá-las sem capacidade económica para fazer face às necessidades básicas e diárias».

O primeiro roubo que foi detetado aconteceu em janeiro de 2009, em Almada. Ainda não eram 10 horas da manhã quando dois dos elementos do grupo perseguiram um homem de 86 anos. No fim, roubaram-lhe a carteira, que só tinha 20 euros.

Poucos dias depois, em Benfica, usaram o esquema mais habitual e observaram uma vítima de 80 anos a digitar o código no Multibanco para depois lhe roubarem o cartão, longe do alcance das câmaras de videovigilância da agência bancária.

Os assaltos nos arredores de Lisboa rapidamente se espalharam a outras zonas do país. No mesmo ano o grupo fez assaltos em Santarém, Almeirim, Aveiro, Braga, Viana do Castelo. Mais tarde, até 2013, foram atribuídos ao gangue búlgaro assaltos no Porto, Espinho, Beja e Setúbal.

No despacho de acusação lê-se que, «face à forte implementação que lograram obter, os arguidos foram adquirindo uma mobilidade tal, que – no propósito de não serem localizados, identificados ou intercetados – efetuaram, com o mesmo cartão ou caderneta sucessivos levantamentos em cidades geograficamente distantes, de norte a sul».

Clã ‘Roma’ ensina crianças da comunidade a roubar

Segundo o Departamento de Investigação e Ação Penal do Porto, o grupo faz parte do «clã ‘Roma’»: comunidade em que as famílias têm «regras e funções perfeitamente definidas» e atuam «por vários países da Europa, [vivendo] dos proventos conseguidos pelas atividades ilícitas que desenvolviam».

O grupo que estava em Portugal tinha, segundo a investigação descobriu, oito mentores – que definiam as linhas gerais da atuação – e uma pessoa de segunda linha, responsável pelo apoio logístico e pelos ensinamentos aos mais jovens.

O ‘clã Roma’, também denominado ‘Kardarashi’, é um grupo fechado: «Os casamentos são contraídos sobretudo dentro do clã e, na maioria dos casos, segundo as suas próprias regras e tradições, e não de acordo com as leis do país onde vivem». Na acusação pode ler-se ainda que a esta comunidade está espalhada pelo território búlgaro e que a «subtração carteirista é considerado um negócio/arte/ofício familiar».

 Os seus membros começam a ser treinados desde crianças. «A formação começa na infância e abrange diversos aspetos: retirar uma carteira de forma despercebida, aproximação à vítima, alteração instantânea de acordo com a situação em concreto, ocultação rápida e adequada dos bens/valores subtraídos, postura corporal e comportamento emocional na rua, bem como táticas em caso detenção pela Polícia», refere o MP.

Tradicionalmente, o crime é praticado por mais do que uma pessoa – de preferência grupos de duas mulheres – com apoio de cúmplices que aparentemente não as conhecem. Esses outros elementos «encenam uma cena que distraia a atenção e também agem como apoio e guarda aos autores do crime». Quando as mulheres conseguem retirar a carteira, esta é «entregue de imediato a um cúmplice», que se afasta a pé ou usando um veículo. Caso a Polícia as intercete, não lhes consegue apreender qualquer prova.

Extradição para a Bulgária

Depois de julgados em Portugal pelos crimes em causa – um de associação criminosa, sete de roubo, sete de burla informática qualificada, 134 de burla informática e 137 de furto qualificado –, parte dos arguidos deste processo será extraditada para a Bulgária, onde são procurados pela Justiça para cumprirem de pena.

Segundo o MP, os membros deste grupo já cumpriram pena ou foram identificados na Irlanda, Chipre, Croácia, República Checa, Eslovénia, Suécia, Dinamarca, Noruega, Finlândia, Bélgica, Suíça, Áustria, Alemanha, Itália, Espanha, Grécia e Reino Unido.

Apesar da dimensão da teia desmantelada, o DIAP do Porto acredita não terem sido descobertos todos os elementos, uma vez que além dos disfarces usados são utilizadas diversas moradas e identidades para despistar as autoridades.

carlos.santos@sol.pt