Não tentou, como outros, usar a campanha para ganhar votos: tentou durante a campanha não perder votos.
Não procurou mobilizar o país com discursos vibrantes: tentou passar o mais possível despercebido.
Não concebeu uma estratégia: delineou uma tática.
Mas ganhou – dirão os seus apoiantes – e é isso o que interessa.
E ganhou bem – acrescento eu.
Foi uma vitória exclusivamente pessoal, conquistada à margem dos partidos e de certa forma contra os partidos.
Marcelo deu ‘pantufadas’ (termo de que gosta muito) em quem tentou colar-se a ele, mesmo que pertencesse à sua família política.
E foi uma vitória contra todas as regras: sem cartazes, sem comícios, sem bandeiras, sem barões.
Marcelo conseguiu aquilo que sempre considerei impossível: ganhar umas eleições presidenciais sem o envolvimento ativo de nenhum partido.
A campanha de que Portugal precisava?
A verdade é que só Marcelo poderia conseguir este feito.
As suas prédicas semanais tornaram-no uma presença familiar em muitos lares portugueses.
Era como uma visita aos domingos à noite.
Todos os portugueses acham que conhecem bem Marcelo. E, como acontece em relação às músicas, as pessoas gostam mais das que conhecem melhor.
A questão que se levanta relativamente a ele não é se delineou a melhor tática – mas se fez a campanha de que Portugal precisava.
E aí acho que não.
Esta campanha mínima serviu para Marcelo ser eleito mas não serviu para mobilizar Portugal em torno de uma pessoa e de uma ideia.
A esquerda votou nele com resignação e a direita sem convicção.
Poucos votaram nele com verdadeiro entusiasmo.
As traições a Maria de Belém
Maria de Belém foi a grande desilusão – o que para ela é dramático, porque vai ter de custear do seu bolso as centenas de milhares de euros que custou a sua campanha.
Mas, podendo dizer-se que atraiçoou António Costa ao candidatar-se, Maria de Belém acabou por ser vítima de várias traições.
Primeiro, António Costa disse que não ia tomar posição mas de facto tomou-a, dizendo aos seus generais e sargentos – e à própria mãe – para participarem na campanha de Sampaio da Nóvoa.
Depois, a máquina do PS, que tinha prometido isenção, abandonou Belém à sua sorte e empenhou-se por inteiro na campanha do ex-reitor.
Finalmente, alguém (quem?) se encarregou de divulgar o caso das subvenções nas vésperas das eleições – e esse foi o golpe de misericórdia.
Acrescente-se que a tomada de posição subterrânea do Partido Socialista a favor de Nóvoa não teve só um efeito quantitativo: teve um efeito qualitativo, porque criou a ideia de que o voto útil dos socialistas era em Sampaio da Nóvoa e não em Maria de Belém.
O voto em Maria de Belém era apresentado como um ‘voto perdido’.
E a candidata não conseguiu ultrapassar todas estas adversidades.
Mas teve a virtude de, no fim, ser a única a reconhecer sem rodeios a derrota.
O Governo tem 23% de apoio incondicional
Avotação de Sampaio da Nóvoa foi mais fraca do que seria de esperar, pois ele era o depositário fiel dos votos dos que apoiam esta solução de Governo.
Sampaio da Nóvoa aparecia como o único candidato que se identificava por completo com este frentismo de esquerda liderado por António Costa (a que Nóvoa chamava o «tempo novo»).
Os que acreditam convictamente neste Governo votaram em Nóvoa.
O que significa que o Governo só tem o apoio inequívoco de 23% dos eleitores.
Dir-se-á que é preciso somar a estes votos os de Marisa Matias e de Edgar Silva.
De facto, não é assim: nem os votos de Marisa nem os de Edgar podem ser considerados como apoios incondicionais ao Governo de António Costa.
Pelo contrário: são votos que tentam reforçar o BE e o PCP para serem mais reivindicativos e exigentes com o Governo.
Para pedirem sempre mais.
E são votos antieuropeus, note-se (e, portanto, também por aí não coincidentes com um Governo que quer estar de bem com Bruxelas).
Marisa: uma vitória sobre o PCP
A votação de Marisa Matias, muito celebrada, foi boa por um lado e má por outro.
Boa, porque foi a maior de sempre do BE em eleições presidenciais; má, porque ficou 80 mil votos abaixo do que o Bloco de Esquerda obteve em 4 de outubro e não conseguiu contribuir para evitar a vitória de Marcelo Rebelo de Sousa à 1.ª volta.
Entretanto, mesmo tendo visto fugirem tantos eleitores do BE, Marisa conseguiu segurar incomparavelmente mais votos do que Edgar Silva, aumentando o fosso entre o BE e o PCP – que nas legislativas fora de 2% e agora foi de mais de 6%.
É certo que o BE é muito volátil.
Tão depressa os seus eleitores votam em Catarina Martins ou Marisa Matias como podem votar em Assunção Cristas.
São eleitores urbanos, momentaneamente esquerdistas, que vivem uma certa euforia adolescente.
De qualquer modo, podendo esta vantagem do BE ser transitória, o PCP tem de pensar muito bem na sua vida.
E sobretudo precisa de refletir seriamente no modo como vai aguentar-se neste arranjo de apoio ao Governo – onde quem brilha e parece dar as cartas é Catarina Martins.
O Partido Comunista não se está a adaptar a este novo xadrez; foi-se aguentando enquanto era um partido de oposição, mas a partir do momento em que se tornou um partido de apoio ao poder não sabe como agir.
Por este andar, o PCP arrisca-se a ir ainda mais por aí abaixo.
As eleições como ‘palhaçada’
Quanto aos candidatos mais pequenos, começa a ser um hábito haver nas eleições presidenciais uma espécie de clowns que polarizam um certo voto de protesto de quem acha que isto não passa de uma ‘palhaçada’.
Nas penúltimas eleições o clown foi José Manuel Coelho, que teve 4.5%.
Desta vez, esse papel coube a Tino de Rans.
E a sua votação não teria qualquer relevância se não se desse o caso de ficar pouco abaixo da do candidato comunista.
Mas isso é mais um problema para o PCP – que, com a sua poderosa máquina que encheu ruas e pavilhões, não conseguiu distanciar-se de um homem simples que não tinha nada nem ninguém atrás de si.
Ou seja: a famosa ‘força do PCP’ começa a não se traduzir em votos.