Os impostos e a privacidade

O Governo quer que os bancos informem o fisco quanto aos saldos e aos rendimentos das contas dos seus depositantes. Há quem se queixe de uma intolerável invasão da privacidade das pessoas. E refira o ‘big brother’ que nos vigia. De facto, as câmaras de vigilância, os cartões de débito e de crédito, o registo…

Não é agradável, decerto, embora seja curioso que muitos dos que protestam contra essa invasão da privacidade sejam, por vezes, os primeiros a exporem por sua iniciativa a vida privada nas redes sociais, incluindo fotografias íntimas. Ora, deixemo-nos de fantasias: alguma privacidade tem que ser sacrificada para combater eficazmente a fuga aos impostos e a lavagem de dinheiro obtido fraudulentamente, assim como para prevenir ataques terroristas.

Entre nós, o ‘enorme aumento de impostos’ aplicado em 2012 pelo então ministro das Finanças Vítor Gaspar (depois de o Tribunal Constitucional chumbar certos cortes na despesa do Estado) subiu a taxa média de IRS pago de 15,6% para 20%. Mas para os 240 contribuintes com mais rendimentos (segundo as declarações de IRS) subiu apenas quatro décimas, de 29,1% para 29,5%. Ora há rendimentos do trabalho que pagam taxas de IRS superiores; os profissionais e os quadros nessa situação, não podendo fugir aos impostos, frequentemente emigram.

A evasão fiscal pode, em certos casos, ser até legal, mas não é ética. É que, em geral, só os ricos têm acesso a paraísos fiscais e só empresas de grande dimensão, sobretudo multinacionais, conseguem o planeamento fiscal agressivo que lhes poupa impostos. Ora quem irá pagar o que os ricos não pagam serão os outros, menos ricos. É mais um injusto fator de desigualdade.

Tem aumentado a consciência de que a evasão fiscal não é aceitável. Por exemplo, o sigilo bancário na Suíça já não é o que era no passado, quando ali proliferavam contas numeradas, para esconder o depositante. O que se fica sobretudo a dever… à pátria do capitalismo, os Estados Unidos. Desde 2010 que os EUA exigem aos bancos estrangeiros que têm depósitos de cidadãos americanos que automaticamente informem Washington sobre esses depósitos. O não cumprimento desta exigência implica severas sanções aos bancos nas suas operações nos EUA.  

Também o OCDE propôs algumas medidas de combate à evasão fiscal, mas de fraca eficácia. A Comissão Europeia anunciou, entretanto, medidas contra o chamado planeamento fiscal agressivo – isto  é, práticas que, não sendo ilegais, são iníquas. Não é difícil a uma multinacional transferir lucros para unidades suas situadas em países onde a carga fiscal seja mais baixa.

Pouco antes de Juncker se tornar presidente da Comissão Europeia soube-se que, quando ele era primeiro-ministro do Luxemburgo, assinou acordos com várias multinacionais permitindo-lhes pagar impostos irrisórios. Talvez, em parte, por causa deste escândalo a Comissão está a investigar outros casos semelhantes, envolvendo nomeadamente a Irlanda.

Mas não haja ilusões: os offshores subsistem porque há interesses muito poderosos para os manter. E os paraísos fiscais não estão situados apenas em locais exóticos: na Grã-Bretanha existem vários. Para contrariar aqueles interesses é indispensável uma grande força política, assente na opinião pública.