Os meios de comunicação brasileiros só agora começam a dar ao tema a importância que tem tido na Europa ou nos EUA. Um pequeno exemplo da falta de informação está num texto publicado no portal UOL, o segundo site de informações mais lido no Brasil, que apresenta dicas para proteger a saúde no Carnaval. Há medidas dos pés à cabeça, mas nada sobre a zika.
No Rio de Janeiro, a cidade do Carnaval, o vírus não está tão disseminado como no nordeste, por exemplo. Mas está a crescer. Já há nota de vários casos de microcefalia em bebés – a consequência do vírus que mais alarme tem causado – e ontem o site da Globo relatava um aumento do número anormal de casos de doentes com a síndroma de Guillain-Barré na região.
Esta síndroma é a outra grave sequela da doença e causa fraqueza muscular, eventualmente paralisia e até morte, apesar de surgir numa pequenissima percentagem dos infetados. Na Colômbia, outro país severamente afetado com a zika, o ministro da Saúde confirmou ontem a morte de três doentes em que a zilka evoluiu para uma forma grave de Guillain-Barré. Os especialistas têm vindo a notar que os casos “associados ao zika parecem ser mais severos do que os casos clássicos de Guillain-Barré”. Além disso, “o número de doentes aumentou muito” explicou à Globo o médico Osvaldo Nascimento, professor de neurologia na Universidade Federal Fluminense. Uma das questões a que não sabe dar resposta é perceber porque certas pessoas “apresentam a forma branda ou assintomática de zika e outras evoluem para um quadro tão grave”.
Para tentar minimizar os efeitos da zika no Carnaval, as autoridades fumigaram o Sambódromo e promoveram campanhas de sensibilização nas ruas, pedindo aos cidadãos para tomarem medidas de proteção. Em algumas cidades mais pequenas as festas foram canceladas – primeiro por causa da austeridade, agora por causa da zika. Mas as imagens que já chegam do Brasil não têm sido diferentes dos anos anteriores e mostram que a maioria não se importa com as picadas de mosquito.
Debate sobre o aborto
Apesar de também ser rara, a transmissão sexual da doença é outra dor de cabeças para as autoridades sanitárias, principalmente porque a maioria dos infetados com zika não apresenta sintomas. Esta semana – em que a Organização Mundial de Saúde declarou o vírus como uma crise internacional – chegou a terceira confirmação oficial da presença do vírus no sémen humano. Depois de um caso de transmissão sexual nos EUA em 2008 e da sua deteção no sémen de um homem na Polinésia durante um surto em 2013, foi agora confirmada nova transmissão por via sexual no Texas, passada por um recém chegado da Venezuela.
Ainda do Brasil chegou também por estes dias outra notícia inquietante. Na cidade de Campinas, no Estado de São Paulo e onde não tem havido registo de infeções por zika, os médicos detetaram o vírus numa vítima de um tiroteio e num doente que tinha sido submetido a um transplante. Concluíu-se que ambos tinham sido infetados via transfusões de sangue. Uma vez mais, a falta de sintomas nos dadores complica o rastreio.
Mas a maioria das atenções continua a virar-se para as mal formações nos bebés. Por causa delas, voltou ao Brasil o debate sobre a liberalização do aborto. A porta-voz do Alto Comissariado da ONU para os direitos humanos, Cecile Pouilly, pediu aos Estados mais afetados para disponibilizarem contracetivos e educação sexual. E defendeu mesmo que as mulheres devem ter “a possibilidade de interromper a gravidez se assim o desejarem”.
“O aborto já é livre no Brasil. É só ter dinheiro para fazer em condições até razoáveis. Todo o resto é falsidade. Todo o resto é hipocrisia” considerou à BBC Brasil o médico mais mediático do país, Drauzio Varella. O arcebispo de São Paulo, acrescentou Odilo Scherer, previsivelmente rejeitou a ideia, mas admitiu o uso de preservativos. “Os casais sabem muito bem como prevenir uma gravidez indesejada. Não sou eu a ensinar”.
Uma petição a pedir a erradicação do mosquito, a educação sexual e a possibilidade do aborto vai ser analisada pelo Supremo Tribunal Federal.