Estratégia da acusação a Lima muda em vésperas do julgamento

Ideia nova de julgar em Portugal o homicídio de Rosalina foi proposta por uma procuradora nova no processo. Juiz diz que não faz sentido.

Em 2011 Duarte Lima foi acusado no Brasil pelo assassínio da sua cliente e no ano passado o juiz de instrução Ricardo Pinheiro decidiu que o ex-deputado português tinha de ser julgado. Mas esta semana, a poucos dias de ser agendada a primeira audiência de julgamento, o Ministério Público (MP) decidiu que o melhor é o processo ser transferido para Portugal, argumentando que, caso exista condenação, o réu não poderá extraditado de Portugal para cumprimento de pena. O pedido da procuradora Thaísa Terra Meireles, que só agora pegou neste caso, vem romper com o que procuradores anteriores defendiam, ou seja, que o julgamento deveria acontecer em terras brasileiras.

Como revelou o jornal i na terça-feira, o juiz Ricardo Pinheiro, de Saquarema, indeferiu este pedido do MP por  considerar que a transferência do processo para Lisboa pode comprometer um desfecho justo do caso.

As razões do juiz

«Conforme se extrai da análise detida dos autos, toda a investigação foi conduzida pela autoridade policial [brasileira], com a instrução processual tendo seu curso normal, com a oitiva [audição] de testemunhas tanto em sede policial, quanto em Juízo, inclusive com a oitiva do réu, a qual ocorreu por carta rogatória», explica Ricardo Pinheiro, concluindo, por isso, «inexistir razão para a adoção de tal procedimento».

O magistrado vai ainda mais longe e refere que, apesar de o «MP  não [explicitar] o procedimento previsto na legislação portuguesa para os crimes de homicídio», se este for semelhante ao da legislação brasileira «haveria grande dificuldade para que a prova fosse produzida» pelos tribunais portugueses. O que, afirma o juiz, afetaria «sensivelmente o julgamento».

MP do Brasil explica ao SOL: é para evitar a ‘impunidade’

Questionado pelo SOLsobre a razão por que só agora pediu a transferência do processo para Portugal, o  MP do Rio de Janeiro garantiu que  este é o momento «oportuno».

«Na verdade, o Ministério Público estava aguardando o momento oportuno para fazer o pedido de transferência de julgamento, que foi feito após a colheita da prova, tendo, inclusive, pedido que o feito só fosse remetido para Portugal após a realização das diligências no Brasil, já que o fato ocorreu em território brasileiro», refere fonte oficial do MP do Rio de Janeiro.

Sobre a possibilidade de terem surgido interferências externas ou impedimentos legais que pudessem ter motivado esta alteração, o MP defende que «não houve mudança de posicionamento».

Tendo conhecimento das dificuldades acrescidas que a Justiça portuguesa teria para julgar um processo que foi conduzido de acordo com a legislação de um Estado estrangeiro, é o próprio MP_do Brasil quem admite a possibilidade de as provas recolhidas naquele país poderem nem sequer ser usadas por Portugal: «Caso ocorra a transferência do julgamento, a prova colhida no Brasil pode ser aproveitada».

No entanto, para justificar a opção, dizem que com este pedido pretendem evitar a impunidade: «A permanência do processo em território brasileiro pode gerar impunidade no caso de uma eventual condenação, que é justamente o que se pretende evitar».

Fontes judiciais explicaram que preferiram não ser identificadas explicaram esta semana ao SOL que este pedido feito pela procuradora não é uma situação comum no Brasil e que a impossibilidade de extradição do réu – em caso de condenação – não é, como considerou o juiz Ricardo Pinheiro, razão que fundamente a transferência de um processo como este para um outro país, sobretudo, na véspera de ser iniciado o julgamento.

Julgamento prestes a ser marcado em Saquarema

Como o SOL avançou em dezembro, o início do julgamento de Duarte Lima pelo assassínio de Rosalina Ribeiro deverá ser marcado em breve, estando neste momento apenas dependente do que vai fazer o MP: ou seja, se recorre ou aceita o indeferimento do juiz Ricardo_Pinheiro.

O juiz pediu à defesa do ex-deputado e ao Ministério Público para apresentarem as testemunhas que querem levar ao julgamento e que na pauta do tribunal a primeira sessão possa ser agendada ainda para o primeiro semestre deste ano.

O magistrado de Saquarema já havia decidido que Duarte Lima iria a julgamento, mas a marcação de data da primeira sessão e o pedido da lista de testemunhas estavam dependentes da resposta de Portugal à última carta rogatória enviada pelo Brasil – e em que se pedia que o réu fosse intimado do julgamento.

Entretanto, já foi entregue a lista de testemunhas que a defesa quer que estejam presentes no tribunal de júri.

Crime ocorreu há seis anos

O crime aconteceu a 7 de dezembro 2009, a cem quilómetros do Rio de Janeiro. Desde praticamente o início da investigação que Duarte Lima foi um dos principais suspeitos. A acusação foi formalmente deduzida em 2011. O processo, contudo, tem sofrido diversos atrasos sobretudo pelo tempo que demoram os pedidos de cooperação internacionais.

Em maio, o Tribunal de Saquarema considerou que «quanto à autoria, finda a instrução da prova, ouvidas as testemunhas de acusação, restaram evidenciados indícios de autoria e delitiva por parte do réu».

Como se trata de um crime doloso, a lei do Brasil determina que o julgamento terá de ser feito por um conjunto de jurados, o chamado tribunal de júri.

Duarte Lima viu negados no Brasil vários recursos e habeas corpus em várias instâncias, mas mantém até hoje duras críticas à investigação e às autoridades judiciárias do país.

carlos.santos@sol.pt