António Costa tem razão quando diz que a culpa foi do anterior governo PSD/CDS. O Governo anterior conseguiu que Bruxelas engolisse como permanentes os cortes salariais da função pública que, todavia, foram ‘vendidos’ internamente como temporários. Se os cortes eram temporários não deveriam ter sido considerados, como foram, estruturais. A reversão do que foi temporário não pode ser, reclama o Governo, considerado permanente. O problema é que o Estado Português (não o governo X ou Y) não pode ter o bolo e comê-lo. A contabilidade pública, aliás como a privada, é convencional. E se a Comissão Europeia (o nosso revisor de contas) validou as medidas do Governo anterior de um dado modo, não é razoável esperar que mude agora de critério.
2. Extraordinárias II. Mas deixemos Bruxelas e a contabilidade pública e as suas convenções. Olhemos, antes, para a substância económica do problema. A reposição dos cortes insere-se num conjunto de medidas cujo sentido único é o aumento da despesa pública – cortes de impostos, aumento do salário mínimo ou redução das horas de trabalho – e da cedência aos interesses dos patrões sindicais – TAP, Metropolitano ou Educação. Tudo envolto num ruído irracional anti-Europa – aquela que seria o novo KGB – que faz todos aqueles com um módico de bom senso temer uma nova Grécia, já que o PS se parece cada vez mais com o Syriza. Depois de tudo que passámos, é na verdade de uma irresponsabilidade extraordinária que possamos estar na eventualidade de uma novo resgate.
3. As presidenciais. Já lá vão, mas esta é a minha primeira vez depois de terem ido. Perdoem-me, pois, a revisitação. Não aprecio particularmente Marcelo Rebelo de Sousa nem do ponto de vista intelectual nem político. Pessoalmente é encantador. Representa um tipo de académico muito português para quem a forma é tudo, desde que articulada com brilhantismo, mesmo quando despida de conteúdo. Um intelectual escorregadio que dificilmente vai contra a corrente. Um político que, como Henrique Neto acusou, faz parte do grupo daqueles que ao longo de anos, do PDS ao PS, conduziu o País onde está. Ainda assim, se tivesse votado (não o fiz por estar a viajar) teria votado Marcelo sem hesitação. Mais vale ter um Belém um democrata sem agenda do que alguém cuja agenda poderá não se compaginável com a democracia.