David Cameron entra numa semana crucial para ganhar a sua aposta de conseguir condições mais favoráveis para a presença do Reino Unido na União Europeia. Num cenário perfeito, na quinta-feira o primeiro-ministro britânico sairia do Conselho Europeu de Bruxelas com um acordo assinado na pasta.
Um entendimento selado com os restantes 27 países permitir-lhe-ia saltar rapidamente para a segunda fase do seu plano: convocar o referendo sobre a permanência da Grã-Bretanha e Irlanda do Norte na UE com que se comprometeu em 2013. Os meios de comunicação do país têm insistentemente assinalado a data de 23 de junho como a favorita de Cameron – antes que o papão dos refugiados assuste o seu eleitorado conservador e prejudique uma vitória do ‘sim’.
Aliás, os refugiados e a imigração têm sido os temas da semana, com David Cameron a jogar uma cartada alta para os seus divididos apoiantes. Na segunda-feira, o gabinete do primeiro-ministro assustou os britânicos com a possibilidade de milhares de refugiados poderem chegar à costa inglesa caso o Reino Unido decida sair da União Europeia. O porta-voz de Cameron passou uma imagem improvável que implicaria a transferência do gigante acampamento ilegal de migrantes do norte de França, em Calais, para o outro lado do Canal da Mancha.
A lógica desta afirmação é que, a concretizar-se uma rutura com Bruxelas, França revogaria um acordo que permite a Londres fazer o controlo de fronteiras em solo francês. «Se esse controlo deixar de existir poderemos ter milhares de requerentes de asilo, que estão acampados no Norte de França, a mudar para aqui durante a noite», argumentou, tendo provocado imediatas acusações de alarmismo. De França, que tem sido um dos mais duros negociadores no processo, veio também a rejeição da ideia. Uma fonte do governo de Paris recordou declarações recentes do ministro do Interior Bernard Cazeneuve que considerou que «abrir a fronteira com Inglaterra não é uma solução responsável».
Conservadores divididos
Mesmo no lado oposto do espetro político, nos Trabalhistas, concorda-se que a questão terá um papel central no resultado do referendo. Mas com outros argumentos. Citada pelo Guardian, Yvette Cooper, uma responsável do partido, considerou que «enquanto se mantiver na Europa o caos sobre a crise dos refugiados, os eurocéticos conseguirão jogar com o medo das pessoas. David Cameron tem de mudar de rumo – ou acaba por deixar os eurocéticos vencer».
A trabalhista argumenta que neste campo a estratégia do primeiro-ministro – que até dentro do seu governo conta com adversários – «é recusar-se completamente a colaborar com a Europa… Isso não vai funcionar. Só faz com que seja mais difícil à UE conseguir as reformas de que vamos precisar no Reino Unido; fica mais difícil de obter uma estratégia à escala europeia sobre segurança, fronteiras e refúgio».
Internamente não foi mesmo uma semana fácil para Cameron. Na segunda-feira, o influente presidente da Câmara de Londres, Boris Johnson, tinha dito que a proposta de acordo avançada pelo presidente do Conselho Europeu Donald Tusk, e que Cameron elogiou, não ia suficientemente longe na questão da imigração. E ontem, 130 responsáveis municipais conservadores enviaram uma carta ao líder do seu partido a pedir-lhe para admitir que as negociações com a União Europeia tinham falhado.
Numa carta divulgada pelo Daily Telegraph, os conselheiros dizem que a renegociação da presença do país na EU não cumpre o determinado no programa eleitoral e que a «única coisa responsável e honesta para o Partido Conservador – e para os seus membros – é fazer campanha para a saída do Reino Unido da União Europeia». Recordando que Cameron prometeu que o faria se o acordo não fosse o desejado, exortam-no a fazê-lo «unindo o partido e o Reino Unido».
Acordo possível num frágil processo
Na noite passada, David Cameron esteve em Hamburgo, onde, na presença de Angela Merkel, terá feito a sua última e substancial intervenção antes do Conselho (já depois do fecho desta edição). Segundo uma fonte do n.º 10 de Downing Street, Cameron terá procurado «delimitar o assunto, falar sobre as propostas, falando sobre onde estamos, lembrando às pessoas algumas das razões pelas quais nos decidimos por este caminho».
Nos ministros britânicos favoráveis ao sim há esperança. A porta-voz de Angela Merkel também disse ao Financial Times que há «otimismo» e que se espera que em Hamburgo a chanceler reafirme o desejo de manter Londres na União. Sem avançar com detalhes, a porta-voz recordou, porém, que o que ficar decidido se aplicará a toda a UE e não apenas ao Reino Unido. Neste momento, a proposta avançada por Tusk de, com limites importantes, permitir que seja consagrado um ‘travão de emergência’, em que durante quatro anos os imigrantes possam ter uma redução dos seus benefícios sociais nos países onde trabalham, é das questões que mais dúvidas cria. Mas que pode ser um pau de dois bicos. Um dos países que seria mais afetado, a Polónia, já deu luz verde à ideia: por um lado, vê os seus nacionais prejudicados, mas por outro, teve ganhos na sua política restritiva à entrada de estrangeiros. Na mesma linha deverá estar a Hungria.
A República Checa e a Roménia, outros grandes prejudicados por causa do seu importante número de emigrantes, têm mais reservas e Donald Tusk está a trabalhar especialmente com esses países e com os seus líderes, lote a que o presidente do Conselho Europeu soma Angela Merkel, François Hollande e Alexis Tsipras, que pressionará em visitas de última hora que começam logo na segunda-feira.
Na quarta, Tusk disse que a proposta que apresentou no início do mês é «equilibrada e sólida» e que continua a considerar que tem condições para «ser fechada na próxima semana». Mas há sempre um mas. «No entanto deixem-me ser claro, este processo político é muito frágil». Vai haver muitas unhas roídas nos próximos dias. E não apenas no gabinete de David Cameron.