A 25 de janeiro do ano passado, Catarina Martins, porta-voz do BE, referia-se à vitória do Syriza como «a vitória da democracia contra a chantagem europeia». Um ano e alguns dias depois, a relação entre os dois partidos da esquerda radical esfriou. O Syriza saiu do discurso do BE, que vê agora no Movimento para a Democracia na Europa 2025 (DiEM25), lançado terça-feira por Yanis Varoufakis (ver texto em baixo), a esperança anulada pelo primeiro-ministro grego Alexis Tsipras.
Entre os bloquistas ainda está bem presente o aumento do IVA, o corte nas pensões e a negociação do terceiro resgate financeiro a que foi submetida a Grécia, logo no início do mandato de Tsipras, mesmo depois do ‘Não’ à austeridade ter ganho o referendo popular, e que levou à saída furiosa de Varoufakis do governo. «O Syriza foi uma derrota séria da esquerda europeia», reconheceu Fernando Rosas, ao i. A esperança deu lugar à desilusão do BE, que olha agora para o Syriza como o «contrário» de tudo aquilo que tenta demonstrar em Portugal: «É possível fazer frente à Europa, não vergar e virar a página da austeridade», frisa um dirigente do BE ao SOL.
É certo que o recuo e a cedência do Syriza às instituições europeias não foi a vacina para a esquerda radical: a prova disso é que o BE passou de oito deputados na anterior legislatura para 19 nas eleições de 4 de outubro. Mas o BE parece órfão de exemplos europeus, restando-lhe apenas o Podemos de Pablo Iglesias, que tenta formar governo em Espanha com o PSOE de Pedro Sánchez, numa réplica assumida do acordo alcançado por António Costa com o BE, o PCP e o PEV.
Apoio a Varoufakis, mas com cautela
Ainda não é certo que Iglesias assuma ao lado de Sánchez o governo de Madrid e, se isso se vier a confirmar, em que medida conseguirá influenciar a governação dos socialistas espanhóis. Mas enquanto a esquerda radical tenta influenciar os executivos, com um pé no governo ou sentada no parlamento (caso de Portugal), Varoufakis prepara uma frente para ajudar a manter a narrativa da esquerda radical depois do embate destes partidos com Bruxelas.
A colagem do BE a Varoufakis ainda é tímida. Só Marisa Matias saiu esta semana em apoio do movimento político, sublinhando a «necessidade» dos partidos de esquerda criarem «uma frente comum contra a austeridade». Mas a eurodeputada não figura entre os subscritores do DiEM25, onde se contam Rui Tavares e Boaventura Sousa Santos.
Até porque voltar a acenar com a necessidade de reestruturação das dívidas públicas dos países do Sul, ao mesmo tempo que, em Portugal, o BE tenta cumprir um acordo firmado com um partido que não se comprometeu com tal medida (o PS), pode soar a contraditório e confundir o eleitorado.
Segundo apurou o SOL, a palavra de ordem é, por isso, «cautela» e manter o foco na vertente interna e no Orçamento do Estado que é discutido até março no Parlamento e cuja aprovação depende também do voto dos bloquistas. O regresso ao guião da esquerda radical europeia ficará para mais tarde. Aí se verá se o BE retoma o discurso do Syriza antes ou depois de ser governo.