Parece que agora não se chama austeridade a este aumento da carga fiscal sobre quem não é rico nem pertence à classe média alta. É uma questão de semântica – Marcello Caetano também acabou com a PIDE, passando a chamar-lhe Direção-Geral de Segurança, DGS.
Decerto que os funcionários públicos e muitos pensionistas terão mais dinheiro nos bolsos. Mas há um mistério sobre como irá ser reduzido para 35 horas semanais o horário dos funcionários sem aumentar os custos para os contribuintes. E permanecem congeladas as carreiras na função pública.
O consumidor não beneficiará da descida do IVA na restauração (descida parcial, não inclui o vinho nem a cerveja, por exemplo). O aumento do imposto de selo no crédito e nas compras com cartão de débito ou de crédito não favorece o consumo. Mas a estratégia do Governo não era estimular o consumo para acelerar o crescimento económico? Era, mas o esboço de Orçamento que a Comissão Europeia aprovou com fortes reservas (as quais poderão implicar, a prazo, mais austeridade) já não tem estratégia alguma. É um conjunto de medidas, algumas boas, outras nem tanto, mas frequentemente contraditórias na sua lógica.
A própria justiça social de várias medidas é contrariada com a retirada da prevista baixa da TSU para o milhão de trabalhadores que ganham até 600 euros mensais. Aliás, concretizar o grande aumento da carga fiscal – a maior de sempre – através de impostos indiretos é socialmente injusto, pois o pobre e o rico pagam o mesmo.
Foi o que se pôde arranjar, perante duas exigências de sinal contrário: satisfazer as regras do euro e ao mesmo tempo contentar dois partidos, PCP e BE, adversários da iniciativa privada e do euro. Centeno disse ao Expresso: “este não era o cenário fiscal que eu queria”. Pois não – ninguém o queria.
A hostilidade às empresas manifesta-se, por exemplo, na recusa de baixar o IRC, contra o que estava no acordo firmado pelo PS de Seguro, e na reavaliação de imóveis do comércio, indústria e serviços para efeitos de IMI. O investimento empresarial subiu apenas 0,1% no ano passado – e poderá cair de novo em 2016, dadas as incertezas e o clima hostil (o investimento público cai em 2016). A atração de investimento direto estrangeiro, de que Portugal tanto precisa, não fica propriamente facilitada com a reversão de algumas privatizações e com as constantes alterações fiscais. Ora, não se vê como criar emprego sem o investimento empresarial crescer.
De resto, a sucessiva redução em baixa das previsões do crescimento do PIB, de 2,4% em Abril passado para 1,8% agora, revela que o próprio governo se resignou à quase estagnação. Já a Comissão Europeia não acredita sequer nas modestas previsões governamentais e di-lo com todas as letras.
Muitos apreciam a habilidade de António Costa ao conseguir navegar entre duas forças opostas: a europeia e a anticapitalista. Será muito interessante esse jogo, mas custa caro. O preço é sacrificar o investimento empresarial, o crescimento da economia e o emprego.