Governador do Banco de Portugal só pode ser afastado por falta grave

Conselho de Ministros tem poder formal de exoneração, mas haveria guerra jurídica.

A guerra entre o governo e o governador do Banco de Portugal tem gerado especulação sobre a possível saída de Carlos Costa deste cargo, mas uma decisão formal por parte do PS teria poucas hipóteses de ser bem-sucedida.

O Conselho de Ministros, sob proposta do ministro das Finanças, tem o poder formal de exonerar o governador, mas apenas em circunstâncias muito especiais.

A lei orgânica do Banco de Portugal e os estatutos do Banco Central Europeu são claros: os membros do conselho de administração do regulador bancário são “inamovíveis” e só podem ser exonerados dos cargos se tiverem “cometido falta grave” ou deixarem de preencher os requisitos para a função.

Os governadores têm de ter “comprovada idoneidade, capacidade e experiência de gestão, bem como domínio de conhecimento nas áreas bancária e monetária”, segundo os estatutos do BdP.

Contudo, avançar para um confronto direto desta natureza implicaria certamente uma guerra jurídica. O governo teria de provar a “falta grave”, tendo este conceito um entendimento preciso para o BCE. O banco central dirigido por Mario Draghi considera um ato grave uma decisão ou omissão “que vá contra a lei”.

O PS, alinhado com os partidos à esquerda nas críticas ao governador, pode utilizar as conclusões da comissão parlamentar ao caso Banif como base para uma fundamentação jurídica para um eventual afastamento de Carlos Costa, mas é provável que enfrentasse a contestação dos reguladores bancários nacional e da zona euro.

A legislação prevê que um governador demitido ou o conselho do BCE possam interpor recurso da decisão de demissão para o Tribunal de Justiça.

Em confronto aberto com Carlos Costa – é já a terceira vez que António Costa critica o governador em público, nos escassos meses desde a tomada de posse –, o caminho parece ser antes o desgaste do governador.

Ontem, o primeiro-ministro escusou-se a comentar, em Bruxelas, se Carlos Costa devia abandonar o cargo de governador, recordando que a instituição “goza de independência” e de um “estatuto próprio”.

Mas o líder parlamentar dos socialistas não escondeu que uma mudança na administração seria positiva. “Há uma realidade que os portugueses vivem de alguma falta de confiança ou, pelo menos de uma avaliação frágil, quer dos depositantes, quer dos utilizadores do sistema bancário, em relação ao regulador, o Banco de Portugal”, referiu Carlos César.

O PSD, por seu turno, assumiu a defesa do governador. Passo Coelho admitiu que há “factos com gravidade” na relação entre o governo e o regulador. O líder parlamentar, Luís Montenegro, acusou António Costa de fazer “um ataque vergonhoso e despudorado” ao governador.