Para Miguel Pina Martins, estes brinquedos acabaram por se tornar um escape de uma vida profissional que não o realizava. Tudo começou com um projeto de final de curso, quando tinha 21 anos, resultado de uma parceria entre o ISCTE e a Faculdade de Ciência. “O professor tinha uns papelinhos. Dobrou-os, colocou-os dentro de um chapéu e andava a distribuí-los com ideias vindas da Faculdade de Ciência para nós fazermos planos de negócio. Eu tirei o papelinho que dizia: ‘Kits de Física’. Quando olhámos para os kits, eu e os restantes oito colegas achámos que aquilo era uma porcaria”, recorda o CEO e fundador da Science4you.
Depois de algumas tentativas sem sucesso para trocar de projeto, fizeram o plano de negócio que lhes era pedido, o qual incluía brinquedos científicos e campos de férias também científicos na Faculdade de Ciências, e o assunto ficou ‘arrumado’. Mas por pouco tempo. Ao fim de quatro meses na banca de investimento, o recém-licenciado percebeu que aquele não era o seu futuro. “Como tínhamos o plano de negócio feito e eu sempre tinha querido ter uma empresa, achei que seria uma oportunidade para fazer algo diferente”. Com 1.125 euros do seu bolso e 50 mil euros de um capital de risco, Miguel fundou a Science4you.
Aprender a brincar
Muito mudou desde 2008. Uma empresa que começou apenas com Miguel e com seis brinquedos científicos conta agora com uma equipa de 500 pessoas que desenvolveram, até ao momento, 350 brinquedos para crianças entre os 0 e os 14 anos, com preços que variam entre os três e os 150 euros.
O conceito-base, porém, mantém-se: educar a brincar. “Estamos certos que se aprende muito melhor a brincar do que a estudar. São memórias que ficam para sempre. A chave do sucesso está em encontrar o equilíbrio entre educação e diversão”. Isto é, ao fazer, por exemplo, pega-monstros, sabonetes ou perfumes, a criança aprende princípios de química. E a atividade pode ser feita em família. “A partir dos oito anos, ele conseguem fazer as experiências sozinhos, mas se puderem ter a colaboração dos pais acaba se tornar uma atividade familiar”.
Os brinquedos são desenvolvidos por uma equipa de cientistas e designers, com a ajuda de ideias das equipas de marketing e de comunicação. Uma vez que o brinquedo foi testado e aprovado, encomendam-se os componentes dos brinquedos, isto é, todos os elementos que são necessários para a experiência.
A fábrica, com cerca de 100 funcionários, recebe-os diariamente e em grande escala, desde pipetas, moldes de silicone, fitas de cetim, espátulas de madeira, a corantes, aromas, luvas, óculos, entre tantos outros, sem esquecer as caixas e os manuais. 70% dos componentes provêm de empresas portuguesas. Todo o processo, desde a ideia à finalização do brinquedo, demora cerca de nove meses.
Montar à velocidade da luz
Enquanto se passeia pelos cerca de oito mil metros quadrados da fábrica, são visíveis as várias caixas onde estão guardados estes componentes. Ao nível dos nossos olhos estão os manuais, escritos em português, espanhol, francês, grego, entre tantas outras línguas. Pequenos livros que explicam como se põe o brinquedo a funcionar e a ciência por detrás dele. À medida que se avança pelo estabelecimento, o silêncio dos longos corredores repletos de caixas de cartão vai sendo ocupado pelo barulho de máquinas e algumas conversas. O ambiente é calmo. Estamos na hora de almoço e muitos dos funcionários ainda não estão nos seus postos de trabalho.
Junto à máquina de plastificação dos brinquedos, de volta de uma mesa, estão cerca de cinco funcionárias. Todas vestidas com uma t-shirt branca, à exceção de uma jovem com uma t-shirt cor de laranja que tem a palavra ‘capitão’ escrita nas costas – um atributo das responsáveis pela organização do trabalho, consoante as encomendas do dia. Estão a preparar o brinquedo ‘Ciência Explosiva’.
A linha de montagem na produção final é rápida e eficaz, chegando a produzir entre 30 e 40 brinquedos a cada 20 minutos. Uma das funcionárias vai montando várias caixas, numa das pontas da mesa, e à medida que as termina, põe-nas ao seu lado. Em seguida, duas colegas pegam nessas caixas e colocam no seu interior os vários componentes do brinquedo, o manual e um vale – todos os brinquedos com um valor superior a 9.99 euros trazem como oferta 100 euros em bilhetes de museus de ciência. Depois de se certificar de que não falta nada, a caixa é fechada e colocada numa máquina que os sela com plástico. Uma vez verificada a qualidade da plastificação, são postas em paletes, plastificadas e depois arrumadas nos corredores.
O processo é hoje muito diferente de quando a empresa começou. Na altura, Miguel era o ‘faz tudo’. “Além de ter posto os brinquedos no carro e tê-los levado ao Porto, também os empacotei, desenhei as caixas, montei-as, coloquei os brinquedos dentro das caixas”, recorda.
Ao passar-se junto à máquina de plastificação, nota-se um cheiro doce. À medida procuramos a sua proveniência, damo-nos conta da quantidade de caixas que contêm pequenos sacos. Enquanto ‘inspecionamos’ os elementos no interior, toca uma sirene. Terminou a hora de almoço e os funcionários começam lentamente a ocupar os seus postos de trabalho.
Componentes sem fim
A maioria dirige-se para a produção intermédia. São 25 a 30 funcionários, todos com t-shirt verdes – excetuando, mais uma vez, as capitãs de equipa – que tratam dos vários elementos de cada brinquedo. Alguns ocupam-se a colocar sal em pequenos frascos e a etiquetá-los, outros preocupam-se em organizar os elementos do brinquedo. Os brinquedos da Science4you têm no mínimo meia dúzia de elementos e o mais complexo – o ‘Super Kit de Ciência – 6 em 1’ – contém mais de 60 componentes. Os componentes são colocados em sacos de plástico manualmente e segundo uma ordem e um critério específicos. Na ‘Fábrica de Guloseimas’, por exemplo, vemos Luís a colocar o pano verde por trás da forma de silicone, a pôr as duas gelatinas com o rótulo para fora e o termómetro em cima dos restantes elementos para não se partir – será daqui que vem o cheiro a doce que fazia sentir? A dúvida permanece.
A maioria das mesas têm pelo menos dois funcionários. Tiago, porém, está sozinho. De headphones nos ouvidos, está concentrado no seu trabalho. O movimento das suas mãos é seguro e automático, a velocidade é estonteante: abre um saco, coloca um bloco de escavação, um pincel, um cinzel, um martelo e uma esponja, fecha o saco, põe de lado, e assim sucessivamente. Ao fim de tantas horas passadas de volta destes pequenos elementos, Tiago já nem precisa de olhar para a folha, no centro da mesa, que lhe indica o número de componentes necessários para cada saco. “Este é fácil, é só um de cada. Há uns que são mais difíceis, porque levam mais coisas, mas é uma questão de hábito”, afirma o jovem de 21 anos. O objetivo é fazer mil sacos que depois irão para o brinquedo ‘Escavações Fósseis – Mamute’. Já fez seiscentos: “Mais duas horas e termino. Depois passo para outro brinquedo”.
À sua frente está Manuela, numa mesa bem mais ‘composta’, com várias caixas transparentes onde se encontram os elementos ‘em bruto’. A ‘Ciência da Água’ contém um elevado número de componentes e as funcionárias, apesar de terem uma folha com os componentes no centro da mesa, socorrem-se de um pequeno papel num dos cantos das caixas transparentes para saberem quantas palhinhas ou quantos clips têm de pôr nos sacos. “Cada saco deve demorar cerca de um minuto, um minuto e meio a preparar. São 11 palhinhas, ainda demora bastante tempo a contá-las, e depois são coisas muito pequeninas, como os clips”, explica Manuela, enquanto espera com as colegas pelos tubos de plástico e dos reagentes. “Só quando tudo estiver na mesa é que começamos”.
O trabalho manual destes funcionários só é substituído por uma máquina quando os componentes do brinquedo não têm de ir organizados no saco. Paulo é quem controla esta máquina, a preparar os componentes para a ‘Fábrica de Velas’. Em cada divisória coloca os elementos de que cada brinquedo necessita: moldes de velas, espátulas de madeira, fitas de cetim, entre outros. Depois de as várias divisórias estarem preenchidas, a máquina é ligada e embala os componentes. Todos estes sacos, sejam eles preparados manualmente ou através da máquina, são depois enviados para a produção final, que termina a montagem do brinquedo.
Mas há ainda mais uma máquina, quase escondida no fundo do armazém. A máquina de enchimentos, que coloca os corantes em pequenos frascos, encontra-se numa pequena sala, e requer a atenção de quatro funcionários. Enquanto um deles se ocupa a tirar os frascos da máquina um a um, a fechá-los firmemente e a colocá-los numa caixa, os outros etiquetam-nos de modo a garantir que cada brinquedo recebe o corante certo – lava de vulcão azul seria no mínimo estranho. Os pequenos recipientes são depois separados por brinquedos, selados num saco de plástico e encaminhados para a produção intermédia.
Encomendas para todo o mundo
Depois de terminada a produção e de o brinquedo ser armazenado num dos corredores da fábrica, só pode ser de lá retirado pelos funcionários responsáveis pelas encomendas. Homens e mulheres de t-shirt vermelha que, com base numa lista de encomendas, tiram os produtos do stock das dezenas de prateleiras, colocam-nos em carrinhos e por fim etiquetam-nos de modo a identificar o destino final. As embalagens ficam no cais para depois serem carregadas para os camiões de transporte que as irão levar para as lojas ou retalhistas em Portugal ou noutros países.
Caso tenha todos os componentes em stock, a Science4you precisa apenas de dois a três dias para dar resposta a uma encomenda. Um tempo que varia consoante o número de brinquedos encomendados.
Os únicos brinquedos que não são produzidos em Portugal são os tecnológicos como os drones, os smartphones e os tablets. “Não temos capacidade para produzir este tipo de brinquedos. A indústria de componentes eletrónicos é muito forte na China”, explica Miguel Pina Martins.
Os brinquedos saem da fábrica para 27 países, entre os quais Angola, Brasil, Colômbia, Lituânia, Itália, Polónia, Chipre, Venezuela, EUA, Suécia, Dinamarca, Noruega, Finlândia, Singapura, Malta, Moçambique, Porto Rico, Líbano, Egito, Dubai e China. Para Portugal e Espanha, dois dos três países onde a Science4you tem escritórios – o terceiro encontra-se no Reino Unido -, as encomendas semanais são enviadas para as lojas e “ilhas” de norte a sul do país e para Madrid.
Os brinquedos chegam a crianças de todo o mundo através de retalhistas internacionais como a Toys R Us, Fnac, El Corte Inglés, John Lewis, Tesco, Harrods, entre tantos outros. Sofrem, porém, pequenos ‘ajustes’ para melhor se adaptarem aos mercados internacionais. “No caso dos vulcões, por exemplo, em Portugal falamos do vulcão dos Açores, noutros países falamos dos vulcões da região”, explica o empresário.
16 milhões de faturação
Crescer para novos mercados internacionais continua a ser um dos objetivos e principais desafios desta empresa portuguesa.
Todos os anos são criados cerca de 50 novos brinquedos para entreter e educar os mais pequenos (e os mais graúdos). Em 2016, a Science4you espera atingir os 16 milhões de euros em faturação – há oito anos faturou 50 mil euros. “Vamos ter de fazer mais e melhor e vender mais para a fora”, afirma o CEO, acrescentando que a empresa deverá entrar no mercado australiano, num futuro próximo.
“Nunca pensei que conseguíssemos, em oito anos, ser a maior empresa portuguesa de brinquedos. E com brinquedos educativos, que valem 10% do mercado na UE”, refere Miguel Pina Martins.
Pelo segundo ano consecutivo, os brinquedos da Science4you foram eleitos Produto do Ano pelos consumidores. Agradar a pais e crianças nem sempre é fácil, mas a empresa portuguesa parece ter encontrado o equilíbrio perfeito. Quem o diz são os mais novos. “Chegamos a receber cartas escritas pelas crianças a agradecerem os brinquedos e a dizerem que gostaram muito”.