O CDS anunciou que vai votar contra o Orçamento do Estado (OE) quando ainda não se conhecia a sua versão final. Não foi cedo demais?
Já se conheciam as linhas de força e o esboço desse documento. Trata-se de um OE que tem uma preocupação clara: dar todo o conforto à esquerda mais radical que apoia este governo, abandonando o critério do gradualismo na reposição de rendimentos que defendemos mas que na realidade pode colocar-nos, de novo, numa situação de bancarrota, porque não é acompanhado por medidas que promovam o crescimento.
Vão apresentar propostas de alteração ao diploma?
É uma questão que está em cima da mesa e creio que faz sentido apresentar as nossas alternativas até para as pessoas perceberem as diferenças e irem formando também as suas opiniões.
Consegue adiantar algumas destas propostas de alteração?
Essas matérias estão a ser trabalhadas no grupo parlamentar mas certamente terão que ver com o gradualismo na reposição de rendimentos, entre outras medidas.
Não há o risco destas propostas serem lidas como estando em contraciclo, logo menos populares?
Certamente que serão diferentes do que é proposto pelo Governo mas não andamos à procura da popularidade. Procuramos realismo e responsabilidade.
Tendo em conta que o país está diferente, faz sentido que o CDS aposte nas mesmas respostas para problemas diferentes?
Acho que progredimos muito, de facto. Mas os problemas de base continuam lá: défice excessivo, dívida pública elevada. Recordo-me o que era entre 2009 e 2011, semana após semana, ver a subida dos juros da dívida pública até à famosa frase de Teixeira dos Santos a dizer que se os juros da dívida externa chegassem aos 7% tínhamos que pedir ajuda. Nós tínhamos saído dos radares do mercado e agora parece que voltamos a ser identificados por estes radares como um país frágil. Basta ver que na semana passada os juros da dívida bateram os 4,5%. O PS acredita que dando mais rendimento às pessoas o crescimento económico vem por arrasto. Que é suficiente. Nós achamos que não e quando os juros passam para 4,5%, se calhar António Costa deve pensar se esse é o caminho.
Mas admite que os portugueses vão ter mais rendimentos este ano?
Aparentemente poderão ter mais rendimento, naquilo que sejam reposições mais rápidas de salários. Mas isso também se vai esvair por outras vias. O quociente familiar, para quem tem filhos, é substituído por uma dedução de coleta, que é pior. As empresas, e as pessoas que precisam de carro para ir trabalhar, vão ser asfixiadas com a taxa sobre os combustíveis. Não me parece que seja um OE equilibrado e que tenha a preocupação de garantir que há crescimento económico. Em 2009, os funcionários públicos foram aumentados 2,9%. Era o cenário perfeito para correr tudo bem, porque significaria aumento no setor privado e a economia a funcionar. Menos de um ano e meio depois estávamos na bancarrota. Não deu bons resultados.
António Costa chama até si uma vitória política, na medida em que pôde negociar com Bruxelas os impostos que queria aumentar.
Ele não explica é por que teve de aumentar estes impostos. Porque tomou decisões porventura erradas naquilo que tinha a ver com a contenção da despesa.
Ou seja?
O fato de querer rapidamente repor rendimentos leva a que haja uma necessidade orçamental que tem de ser paga de alguma maneira. O que Bruxelas disse foi que isso não vai lá assim e que se o primeiro-ministro queria fechar o exercício tinha de arranjar receita. E ele aumentou receita agravando e aumentando os impostos. Não são os mesmos? Pois não. Também lhe ficaria mal. A questão é que para não desvirtuar globalmente a sua palavra, António Costa foi procurar outros impostos. E dá com uma mão o que tira com a outra.
Não é preferível taxar menos o rendimento sobre o trabalho?
Depende do que nós estamos a falar. O que vai ser mais reprodutivo de riqueza para o país? É pôr dinheiro na carteira das pessoas – que certamente será gasto, porventura muitas vezes com recurso a bens de importação, que nos ajudam a dificultar as contas da balança comercial – ou é dando condições às empresas para reproduzir e exportar mais e, com isso, também gerar mais riqueza e mais impostos? Quando se reduziu o IRC, arrecadou-se mais imposto. As pessoas investem mais quando têm confiança. E o problema de Costa e deste OE é que não gera confiança e sem confiança não há economia a funcionar.
A esquerda parlamentar acusa PSD e CDS de nunca terem negociado com Bruxelas. Admite que foi mais difícil ao seu governo negociar?
Todos os Orçamentos são negociados em Bruxelas. Essa ideia de que só eles estão a negociar com Bruxelas e que conseguem alguma coisa é mentira. Veja a versão inicial do memorando da troika e qual era o défice que estava previsto para o primeiro ano, para o segundo ano e para o terceiro ano e veja se alguma vez ele foi cumprido. Não foi. Nenhuma vez. Dir-me-á: incompetência do governo. Não. Foi capacidade de ir negociando e de ir flexibilizando. Mas há uma diferença entre negociar com eficácia e nos fóruns próprios ou trazer tudo para a praça pública.
O primeiro-ministro escolheu o segundo método?
António Costa resolveu fazer tudo na praça pública porque acha que as pessoas o aplaudem. Costa conseguiu numa semana 1,1 mil milhões de euros em medidas. Ou o Orçamento estava muito mal feito ou já sabia que as teria de arranjar mas não quis dizer às pessoas para dar a ideia de que queria fazer uma coisa, depois a troika impôs outra mas mesmo assim ele conseguiu ficar a meio caminho.
É essa a mensagem de Costa.
E se calhar passa com eficácia. Não sei é se essa eficácia do curto prazo é aquela de que o país precisa. De repente Portugal passa a ser visto como um país que já não está interessado em ter as contas em ordem, em ter um crescimento sólido e em entrar nos eixos do ponto de vista de estabilidade.
António Costa está condenado a aumentar impostos diretos?
Teremos de ver se este OE vai resultar do ponto de vista da sua execução. Todas as entidades alertam para riscos elevados. Não é por acaso que pediram a Mário Centeno, no conselho de ministros da Zona Euro, um plano B, com medidas adicionais. Sabendo que Costa acordou com os partidos que o apoiam não tocar num conjunto de políticas, não vejo outra hipótese que não o aumento de impostos. O que, aliás, já está a acontecer neste Orçamento.
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