Aurélie Dupont. Sair do palco sem sair de cena

    

Não nasceu nos palcos. Mas quase. E não foi num palco qualquer mas antes num dos mais importantes da Europa. Do mundo. O palco da Ópera de Paris.

E mesmo quando Aurélie Dupont parecia determinada em afastar-se das luzes da ribalta, arrumar as sapatilhas e dedicar-se ao trabalho de bastidores, a vida contrariou-a. A vida ou a demissão, inesperada, de Benjamin Millepied, bailarino, coreógrafo, marido da atriz Natalie Portman, que conheceu quando coreografou o filme “Cisne Negro”. O diretor do departamento de dança da Ópera de Paris, cerca de um ano após ter sido nomeado – uma escolha envolta em dúvidas e polémicas, em grande parte alimentadas pelo próprio que nunca escondeu o facto de considerar que a companhia vivia refém do passado – apresentou a sua demissão. Na conferência de imprensa, no início deste mês de fevereiro, ao lado de Millepied aparecia já Dupont. Seria ela a nova diretora de uma das mais importantes e antigas companhias de dança do mundo. E as suas primeiras palavras foram para deixar claro que pretendia dar continuidade ao trabalho desenvolvido pelo seu antecessor. De seguida, a filha pródiga que nunca saiu de casa – a não ser para dar espectáculos como bailarina convidada de outros teatros, da Rússia aos Estados Unidos da América – declarou a sua dedicação a essa mesma casa: “Vivo uma história de amor com a Ópera de Paris”.

Uma história de amor que deu os primeiros passos quando Aurélie Dupont era ainda criança. Nasceu a 15 de janeiro de 1973, em Paris, filha de uma enfermeira e de um investigador. Apesar de demonstrar um talento natural para o piano e para a ginástica, foi nas aulas de ballet, num estúdio chamado La Petite École, na rua La Fontaine, em Paris, que Aurélie percebeu que queria ser bailarina. E tinha talento para tal: aos dez anos prestou provas e foi escolhida para a Escola de Dança da Ópera de Paris, casa de onde nunca mais saiu. Como o próprio Millepied disse, Aurélie Dupont representa “o melhor da escola de dança da Ópera de Paris”.

Com apenas 16 anos passou a integrar o Corpo de Baile da companhia, mas apenas ficou dois anos. Com a maioridade veio o lugar de Bailarina Principal, mas o seu talento, juntamente com uma dedicação total ao trabalho, determinaram que, a 31 de dezembro de 1998, após interpretar “Dom Quixote”, ascendesse ao Olimpo da companhia, sendo nomeada Bailarina Estrela. Tinha 25 anos e tinha atingido o patamar máximo da carreira.

Polivalente, ao longo de 32 anos – 17 dos quais como rosto da companhia – dançou todos os grandes clássicos, tal como também dançou os grandes criadores da contemporaneidade, como Roland Petit, George Balanchine, Sasha Waltz, Saburo Teshigawara, Wayne McGregor ou Pina Bausch. De resto, foi com a coreógrafa alemã que Dupont juntou ao rigor e à técnica que já lhe eram reconhecidos, uma sensibilidade, expressividade e paixão que acabaram por se tornar a sua imagem de marca. Aliás, a bailarina costumava começar por preparar cada um dos seus papéis como se fosse uma atriz, fazendo inicialmente uma aprofundada pesquisa. Sobre o bailado, o coreógrafo, o papel que iria dançar. Para Aurélie, em palco, todos os pormenores contavam. “Uma sobrancelha que se levanta no momento errado, vê-se e pode estragar a interpretação”, costuma dizer.

Foi toda a sua paixão que deixou em palco quando, pela última vez, em maio de 2015, com 42 anos, “morreu” a dançar, ao interpretar “L’Histoire de Manon”. Um bailado que foi filmado para ser exibido em cinemas um pouco por toda a Europa e Estados Unidos da América. No final foi aplaudida, de pé, durante 25 minutos.

Terminada a carreira de bailarina, Aurélie Dupont aceitou o convite do então diretor, Benjamin Millepied, e assumiu o cargo de Mestra de Bailado. O objetivo era dar aulas aos mais jovens e conduzir os ensaios da companhia. A ex-bailarina queria, disse à data, ensinar os que estavam a começar que, apesar da técnica ser extremamente importante, nunca se deviam esquecer que a dança era um espetáculo e que, portanto, deveria ser também um prazer. Um ensinamento que a própria aprendeu tardiamente, mais uma vez, através do trabalho com Pina Bausch. “Ela disse-me que eu era uma espécie de uma guerreira a dançar, obcecada pela perfeição técnica, mas sem retirar prazer no que fazia”. Nunca mais esqueceu estas palavras e estava pronta para as ensinar, mas nem aqueceu a cadeira neste novo desafio.

Podia pensar-se que estar sob a luz da ribalta durante 32 anos era duro, mas a mãe de dois rapazes tem agora nas mãos um desafio que promete ser bem mais duro: arrumar uma casa onde o passado teima em pesar mais do que o futuro.