Um catavento?

Na moção ao Congresso do PSD de 2014, Passos Coelho afirmou que o partido não apoiaria nas presidenciais um «catavento de opiniões erráticas».

Passos não referiu nenhum nome, mas todos acharam que o ‘catavento’ era Marcelo Rebelo de Sousa.

E Marcelo enfiou a carapuça – dizendo que, nessas condições, não seria candidato presidencial.

Não o deveria ter feito, até para não ter de dar mais tarde o dito por não dito.

Ou seja: para não parecer um catavento, caso viesse a candidatar-se.

A palavra ‘catavento’ aplicada a candidatos presidenciais não era uma novidade.

Nas famosas eleições de 1986, que opuseram na segunda volta Mário Soares e Freitas do Amaral, cantava-se nos comícios de Freitas:

Dizem que o Soares é fixe,

o Soares não é fixe, não;

o Soares é um catavento,

o Freitas é que tem razão.

Ao contrário, porém, do que diziam os versos, Mário Soares não se revelaria em Belém um catavento, antes seria bastante consistente no objetivo de atacar o Governo de Cavaco Silva.

Nunca se afastou do rumo traçado e foi tentando fazer sucessivas mossas no cavaquismo.

Curiosamente, quem se revelaria um catavento seria o homem cujos adeptos chamavam nomes a Soares.

Partindo nessa altura da posição mais à direita do leque político, Freitas do Amaral foi caminhando paulatinamente para o centro e depois para a esquerda.

Tendo votado contra a Constituição de 1976 por falar em ‘socialismo’, Freitas acabaria surpreendentemente por vir a integrar um Governo socialista.

E chegaria ao ponto de elogiar, recentemente, a frente de esquerda cozinhada por António Costa, com o PCP e o BE.

Um verdadeiro catavento, portanto.

Diz-se que este ‘desvio’ de Freitas do Amaral se deveu em parte ao facto de Cavaco Silva não lhe ter pago as contas da campanha presidencial.

Não perdoando a Cavaco, Freitas afastou-se do PSD; e como também se tinha afastado do CDS, dada a sua má relação com Paulo Portas, caiu na esquerda.

Situação semelhante foi a de Manuela Ferreira Leite.

Tendo-se travado de razões com Pedro Passos Coelho, tornou-se uma das suas mais ferozes críticas.

Depois de ter sido no passado uma implacável ministra das Finanças, defensora das políticas de austeridade, tornou-se uma inimiga figadal da austeridade imposta por Passos Coelho.

Havendo-se insurgido com Jorge Sampaio por este dizer que havia «mais vida para lá do Orçamento», fez depois a Passos Coelho o que Sampaio lhe fizera a ela.

E agora deu a sua chancela ao Orçamento de António Costa e Mário Centeno, que a maior parte dos economistas diz conter elevados riscos.

Em suma, outro catavento.

Cataventos também foram Pacheco Pereira e António Capucho.

Embora com trajetos muito diferentes.

Pacheco veio da extrema-esquerda, da qual nunca se desligou emocionalmente, como o provam os sucessivos livros que escreveu sobre os grupúsculos esquerdistas que pulularam a seguir ao 25 de Abril e a sua extensa história da vida de Álvaro Cunhal.

A passagem de Pacheco pelo PSD deveu-se a um entusiasmo com Cavaco Silva, que fazia o perfil do líder autoritário que lhe agradaria; mas logo que Cavaco saiu, Pacheco iniciou o regresso às origens.

Como militante social-democrata, pode dizer-se que Pacheco Pereira foi um erro de casting.

Ele sempre foi um radical.

E hoje ultrapassa o BE pela esquerda.

António Capucho é um caso completamente diferente.

Era um ‘menino da Linha do Estoril’, que desde a juventude gostou de estar ligado ao poder – e não ao antipoder, como Pacheco.

Foi ministro, deputado europeu, presidente da Câmara de Cascais, e diz-se que terá ficado ressentido com Passos Coelho por não ter sido convidado para presidente da Assembleia da República.

Foi aí que o caldo se entornou.

Mas nunca foi esquerdista nem será.

É um social-democrata com espírito liberal, como Sá Carneiro.

Enquanto Pacheco navega hoje nas águas profundas da extrema-esquerda europeia, estando talvez próximo de Louçã, António Capucho continua a ser o que sempre foi: um burguês da Linha.

Quanto a Marcelo Rebelo de Sousa, que para a semana toma posse como Presidente da República, não creio que ‘catavento’ seja a melhor palavra para o definir.

O seu problema não é mudar muito de opinião, mas sim uma certa falta de coragem para ter opinião.

Durante a austeridade, foi sempre dando uma no cravo e outra na ferradura.

Nunca foi capaz de dizer: «A austeridade é necessária para amanhã podermos ter uma vida melhor»; ou então: «A austeridade é um disparate e devíamos seguir outro caminho».

Marcelo nunca foi ‘sim’ nem ‘não’: foi sempre ‘nim’.

Ora isto não é um catavento.

Mas será o Presidente de que o país neste momento precisa?

Vejo-o mais talhado para dias calmos do que para os duros tempos que se aproximam.