Esta semana saiu em alguns órgãos de comunicação social que Isabel Moreira tinha um perfil no Tinder, uma aplicação de encontros. A este propósito, a deputada socialista disse apenas: “Não tenho nada a dizer. Também tenho Facebook…” Não percebo qual é a notícia aqui. E muito menos percebo porque é que Isabel Moreira, ou qualquer outra mulher (ou homem), deveria justificar as aplicações que tem no seu telemóvel – seja o Facebook, o Tinder, a Uber ou o Grindr. Não existe aqui nenhuma conduta ilegal, nada que possa lesar a pátria. Aliás, mais ilegal – ou, pelo menos, preocupante – me parece esta tentativa de policiar os costumes alheios, como que num regresso a um tempo pidesco que se desejaria estar encerrado no passado.
E mais: seria isto notícia se fosse um deputado e não uma deputada? Ou teria as mesmas repercussões? Não me parece. Estas notícias nada mais são do que o reflexo do pensamento que ainda domina o país: as liberdades da mulher, sobretudo quando falamos de liberdades sexuais, ainda são muito diferentes das do homem. O escrutínio rege-se por regras distintas. Uma mulher que assume a sua sexualidade de forma livre e desempoeirada vai carregar um rótulo. Um homem que assuma a mesma postura é um verdadeiro macho latino.
Muitos podem até considerar que esta é uma análise primária e que não corresponde à realidade. Mas mais não estão a fazer do que a enfiar a cabeça na areia. Sim, muito mudou, já votamos, já não precisamos de uma autorização escrita do pai ou do marido para sair do país ou para comprar carro, e já não se espera que cheguemos ao casamento virgens. Mas ainda estamos muito longe de uma verdadeira igualdade, no trabalho, na sociedade, na sexualidade. A mulher d’“As Novas Cartas Portuguesas”, aquela que não nega as suas urgências nem se sente envergonhada por estas, parece, por vezes, não passar mesmo de uma obra de literatura. Ficcionada.
Editorial originalmente publicado na edição em papel do B.I. de 05/03/2016