Nem Cavaco Silva há dez anos, quando beneficiou de uma esquerda que dividiu o seu voto entre Manuel Alegre e Mário Soares, evitou que metade do país olhasse com desconfiança o seu início de funções em Belém. Nem Jorge Sampaio, em 1996, quando foi eleito também graças ao cansaço dos portugueses com o ciclo de dez anos de cavaquismo (e Cavaco ainda chegou a 46% nessa eleição…), foi capaz de cativar simpatias na derrotada base de apoio do centro-direita. Nem mesmo Mário Soares, que viria a seduzir uma expressiva maioria dos portugueses no final do seu primeiro mandato, impediu que a sua posse em 1986 como Presidente da República se fizesse perante um país ainda crispado e dividido a meio com a sua curta vitória à 2.ª volta sobre Freitas do Amaral. E nem sequer Ramalho Eanes, em 1976, o único Presidente eleito no primeiro mandato com mais de 60% dos votos, lograria obter um consenso tão alargado dos eleitores nesses tempos conturbados e de acentuadas clivagens políticas pós 25 de Abril.
Marcelo, ao contrário de todos eles, assume o cargo presidencial com quase todo o país rendido a seus pés. Encantado com a sua proximidade das pessoas comuns e capacidade de comunicação. Deliciado com a sua simplicidade e despojamento de luxos e formalidades. Entusiasmado com a sua inteligência e bagagem cultural universalista. Maravilhado com a sua afetuosidade e espírito solidário.
Até o PS, de Costa a Guterres ou Sampaio, está visivelmente rendido aos dotes de Marcelo. Só mesmo a esquerda radical, do Bloco e do PCP, levanta reticências ou recusa aplausos ao novo Presidente – mas até esta faz questão de o elogiar por via indireta, apontando-o como a antítese de Cavaco. Marcelo é o anti-Cavaco. No estilo e no conteúdo. As expectativas não podiam estar mais elevadas para os lados de Belém.