Que Nico d’Obra, Nicolau!

1.Hoje, Portugal acordou certamente mais triste. Muito mais triste. Morreu um dos mais marcantes actores do Portugal democrático. Ou melhor: actor, realizador, produtor, encenador, apresentador de televisão e, de quando em vez, lá nos brindava com uma das suas actuações musicais (que ora corriam muito bem, ora corriam muito mal…). Enfim, um génio da cultura. 

2.Sobre o percurso profissional de Nicolau Breyner, os especialistas dão magistralmente conta na imprensa diária de hoje: desde o casamento perfeito entre dois génios do cinema – Nicolau Breyner e António Pedro Vasconcelos – que gerou essa obra-prima chamada “ Os Imortais” até à apresentação de talk shows (tentando criar um Jay Leno à portuguesa), passando por inúmeros filmes, nacionais e estrangeiros, o talento e o brilho de Nicolau Breyner permanecerão para a posteridade entre nós. O relato e análise do percurso profissional-artístico de Nicolau está por demais feito: aproveitamos, no entanto, para aqui acrescentar o nosso testemunho (ou melhor: a nossa gratidão) de natureza estritamente pessoal.

3.São artistas invulgares como Nicolau Breyner que vão construindo e moldando as nossas memórias. Que nos permitem sentir o verdadeiro significado dessa palavra tão bela e tão portuguesa (ou, se preferirmos, bela porque tão portuguesa!) – que é a “saudade”. Ora, em lugar de destaque no nosso baú de memórias estão as gargalhadas e os sorrisos que Nicolau Breyner nos ofereceu na sitcom (única e irrepetível) “Nico d’Obra”. Nicolau Breyner magistral no seu talento natural de espalhar boa disposição; Fernando Mendes no seu primeiro papel de grande destaque, sendo apenas…Fernando Mendes; Ana Zanatti, soberba, no seu estilo suave, como sempre. Felizmente, a RTP Memória – que é hoje a expressão máxima de serviço público, mérito de Gonçalo Reis e Nuno Artur Silva – permite-nos recuar no tempo e assistir com o mesmo entusiasmo a esta sitcom do Sr. Nico.

4.Será que Nicolau Breyner teve em vida o devido reconhecimento? Julgamos que teve mais do que muitos outros génios da nossa cultura – ainda assim, muito menos do que seria de esperar atendendo ao seu talento e obra. Porquê? Porque existe ainda, em Portugal, um trauma ou um complexo em relação ao que é popular, ao que é apreciado pelas pessoas – e não pelas pseudo-elites que tanto sabem, mas nada fazem. E quando fazem – só fazem asneiras. Para além do talento artístico, Nicolau Breyner tinha um pensamento estruturado sobre político cultural e, mais especificamente, sobre política de cinema. Que o seu pensamento seja finalmente ouvido e levado a sério.

5.Duas notas adicionais sobre Nicolau Breyner (e que muito nos apraz): Nicolau era um benfiquista convicto, o que revela bom gosto e sensatez clubística. Segundo: Nicolau Breyner, num ambiente dominado pela esquerda, defendeu ideias ligadas ao pensamento de direita e deu a cara pela direita política. Sempre que tais causas lhe pareciam justas: nunca por frete; sempre por convicção. Ser de direita não o torna melhor do que os outros: torna-o, sem dúvida, muito corajoso civicamente. O que é de louvar.

6.Acordar com a sensação de que nunca mais veremos um filme inédito ou um episódio inédito protagonizado por Nicolau Breyner – é um verdadeiro “murro no estômago”. É Deus, mais uma vez, o princípio da tutela da confiança: nós julgávamos que Nicolau era mesmo imortal e, perante a notícia de ontem, Deus revogou, sem notificação, essa sensação. Que Nico d’ obra, Nicolau Breyner! Até sempre.