Os juízes conselheiros do Supremo Pires da Graça, Raul Borges e Pereira Madeira consideram que a decisão da Relação tem falhas em termos de matéria de facto que só podem ser resolvidas pelo tribunal de primeira instância, ou seja, o Tribunal Judicial de Coimbra. Ao longo de oito páginas, os juízes do STJ formulam 89 questões/dúvidas em termos de matéria de facto que consideram não estarem esclarecidas.
“A decisão recorrida, além dos vícios apontados pelo MP, enferma ainda de insuficiência para a decisão de matéria de facto provada (…). Vícios esses que ao Supremo é possível conhecer, mas não é possível suprir, por contender com a determinação da matéria de facto, da exclusiva competência das instâncias”, salientam os conselheiros no acórdão. Ora, “sem suprimento de tais vícios, não é possível decidir a causa, obrigando, por isso, ao reenvio do processo para novo julgamento relativamente à totalidade do objeto do processo”.
Ana Saltão foi acusada pelo Ministério Público do homicídio da avó do marido, em Coimbra, em 21 de novembro de 2012. As contradições nas provas e falhas apontadas à Polícia Judiciária na investigação levaram o Tribunal de Coimbra à decisão de absolvição. Após recurso do MP, os juízes desembargadores do Tribunal da relação de Coimbra decidiram em sentido contrário, de que as provas são suficientes, e condenaram a inspetora a 17 anos de prisão.
Juízes e MP divididos
As divergências neste caso não se restringem aos juízes que o têm apreciado: também o Ministério Público se divide, tendo a procuradora-geral-adjunta no Supremo, Maria da Graça Dias, defendido a absolvição de Ana Saltão, ao contrário dos procuradores da República na primeira instância e na Relação de Coimbra, que sempre pugnaram pela sua condenação.
Em junho de 2015, e ao contrário do que decidira um ano antes o Tribunal de Coimbra, a Relação de Coimbra considerou existirem “provas decisivas” de que Ana Saltão matou a avó do marido com 14 tiros, mas não deu como provado o móbil apontado pelo Ministério Público – de que a arguida quis receber dinheiro da conta que a vítima partilhava com a filha, sogra de Saltão. Para a Relação, apenas é certo que a inspetora, quando foi a Coimbra, tinha “um objetivo relacionado com a obtenção de dinheiro”, pois entre ela e a vítima “não havia uma relação de proximidade que justificasse uma tal visita”, além de que Filomena Gonçalves, de 80 anos, tinha “avultadas quantias em dinheiro” e a arguida sabia disso. Mas o que em concreto desencadeou o crime não se provou.