O Cavaco que conheci

Na hora da sua partida, tem-se escrito muito sobre Cavaco Silva, o político: primeiro-ministro durante dez anos e Presidente durante outros dez. Nada tenho a acrescentar a estas análises. Mas é uma efeméride que não podia ignorar.

Cruzei-me pela primeira vez com Cavaco Silva no princípio dos anos 1980, quando ainda era somente o diretor do Gabinete de Estudos do Banco de Portugal. Eu era um jovem economista que se havia candidatado a uma posição no banco e que estava a ser entrevistado pelo professor. Fiquei com a pior das impressões: Cavaco Silva não me olhou uma só vez nos olhos (acho que nunca desviou o olhar dos meus pés) e parecia mais intimidado do que o entrevistado.

Não fui admitido. Mas o que nunca esqueci foi a enorme timidez, famosa já nos tempos de Económicas, que nada fazia prever a autêntica máquina de ganhar eleições em que se tornaria. Mas esta capacidade superação, feita de convicção e ambição, milita a seu crédito.

Voltei a encontrar Cavaco Silva muitos anos depois, durante a sua travessia do deserto, nas reuniões do Conselho Científico da Nova. Admirei, então, como conseguiu despir a imagem de arrogância, mas conservando um distanciamento senatorial, para participar ativamente no trabalhos desse Conselho. Reformou-se, entretanto, da Universidade Nova e durante anos os nossos caminhos não tornaram a cruzar-se.

Foi durante os meus dez anos como diretor da Nova SBE que nos encontrámos com mais frequência. Recebeu-me várias vezes em audiência e foi sempre um ouvinte interessado e amigo nas grandes iniciativas que a Escola encetou nesse período. Recordo como me aconselhou, e à Fátima Barros, no processo de fusão dos MBA da Nova e da Católica para dar origem ao The Lisbon MBA, que discretamente apadrinhou. Recordo, ainda, como anos mais tarde seguiu interessado o processo de construção do Campus de Carcavelos da SBE. Ou como, numa nota mais pessoal, me confidenciou que a mulher apreciava a frontalidade das minhas intervenções na TV.

Todos gostamos de ser bem tratados. Talvez por isto, nesta hora de virar de página, recordo Cavaco com consideração e, mesmo, afecto. O juízo político fica para mais tarde.