Presidente do Montepio defende ‘reflexão’ sobre medidas do BCE

O ano passado não foi fácil para o Montepio. Os casos e as polémicas sucederam-se a um ritmo vertiginoso e o ambiente de contestação à gestão causou danos na reputação da instituição. Nas contas, o desempenho foi negativo. Segundo os números ontem divulgados, a caixa económica acumulou prejuízos de 243 milhões de euros, um agravamento…

José Félix Morgado substituiu Tomás Correia na caixa económica em Agosto do ano passado, e refere-se ao período mais conturbado do Montepio como «pré-história». E, embora garanta que há um «virar de página» com estes resultados, assume que é difícil antecipar se em 2016 já haverá um regresso aos lucros. «O contexto ainda é incerto para antecipar se há resultados positivos este ano, já que muito dependerá da evolução macroeconómica. Estamos confiantes de que haverá trimestres com resultados positivos, mas temos de ver até onde conseguimos chegar», diz ao SOL.

Os prejuízos em 2015 foram em grande parte influenciados por um desempenho menos positivo na carteira de dívida pública, mas o gestor assinala que outros indicadores bancários melhoraram. Houve uma «retoma» do crescimento dos depósitos no último trimestre do ano, suportado por um aumento dos depósitos a prazo e de poupanças de 5,1%, no montante de 489 milhões de euros. O programa de desalavancagem dos activos imobiliários com saldo positivo pela primeira.

A exposição ao BCE foi reduzida e o capital do banco foi reforçado. E, para fortalecer ainda mais os rácios de solvabilidade da instituição financeira, foi ontem completado um aumento de fundos próprios de 300 milhões de euros, integralmente subscrito pela associação mutualista.

Sem problemas de liquidez ou de capital, o plano agora é começar a inverter os resultados negativos com uma perspectiva «prudente mas positiva». Está em implementação um plano estratégico com foco nas famílias, nas PME, nos empresários em nome individual e a economia social. «Somos um banco português, temos um relacionamento próximo. O objectivo é continuar a apoiar o tecido empresarial português», frisa.

Além da dinamização comercial, está em curso um corte de custos. Os contratos externos e as instalações foram alvo de uma racionalização. Está a ser feita análise de sobreposição de balcões e até Fevereiro foram fechados 40 unidades. «Temos de adequar a eficiência à nossa dimensão». Em termos de recursos humanos, foi implementado um programa de pré-reformas, que vai fazer com que 200 pessoas saiam da caixa económica no final deste mês Quanto a medidas mais drásticas como despedimentos, o gestor recusa seguir esse caminho. «Não é a minha filosofia».

Com este plano, Félix Morgado quer atingir «tão depressa quanto possível» patamares positivos em termos de rentabilidade. Mas neste ponto há um «desafio» adicional, reconhece. Além da negociação da dívida pública, os prejuízos do ano passado foram influenciados por uma quebra da margem financeira, uma tendência de todo o sector financeiro, a braços com a descida das taxas de juro Euribor, que penalizam as receitas dos bancos nos empréstimos que concedem.

As medidas mais recentes do BCE deverão acentuar ainda mais o contexto de baixas taxas de juro. Mário Draghi e o Conselho de Governadores do banco central decidiu reduzir a taxa de juros de referência para um nível inédito de 0%. Embora a medida facilite o recurso ao BCE no financiamento dos bancos, torna os empréstimos já concedidos, indexados à Euribor, menos rentáveis.

Além da descida das taxas de juro, algumas vozes no sistema financeiro têm alertado para as outras consequências negativas das decisões do BCE. O banco central tem neste momento uma taxa de depósitos em níveis negativos, de -0,4%. Isto significa que os bancos têm de pagar para ter dinheiro parado no banco central, em vez de canalizarem esses fundos para a economia real. Mas há quem tema os efeitos destas medidas na rentabilidade dos bancos. José Félix Morgado não esconde algumas reticências face a algumas opções do banco central da moeda única.

«As autoridades que têm interferência nesta matéria deviam fazer uma reflexão profunda em torno das medidas do BCE. Por um lado, a política visa aumentar a liquidez da economia para que os financiamentos cheguem às empresas e haja mais dinamismo económico. Mas ao mesmo tempo há uma fobia quanto ao capital e o BCE impõe cada vez mais requisitos de capital aos bancos. Queixamo-nos de que os fundos não chegam à economia, mas eles não chegam porque o BCE dá estas orientações contraditórias», critica o presidente do Montepio.

Félix Morgado alerta ainda para um problema adicional no sistema financeiro em Portugal: o peso crescente de bancos estrangeiros. «O montepio tem 171 anos e ainda estará cá dentro de 171 anos, mas provavelmente será um dos poucos bancos portugueses. Quem percebe bem as necessidades das PME portuguesas e dos empresários em nome individual? São os bancos portugueses, que têm um papel a desempenhar».

O gestor alerta que a questão «deve merecer a atenção dos cidadãos portugueses», num momento em que se perspectiva a venda do Novo Banco e a consolidação em favor de investidores estrangeiros, nomeadamente espanhóis. Félix Morgado frisa que na venda do Novo Banco «deve ser feita uma ponderação do que deve ser o interesse nacional». E o interesse nacional «é manter em Portugal algumas sedes de decisão».

joao.madeira@sol.pt