Com cerca de quatro anos a operar em Portugal, os negócios da Lyoness motivaram “cerca de uma dezena de reclamações” junto da Deco, associação de defesa do consumidor. Mas esses contactos – sobretudo pedidos de esclarecimento – estão mais relacionados com a atividade da Lyconet, subsidiária da primeira empresa, e com alegados aliciamentos para alargar a base de “comerciais” que trabalham mais para angariar novas empresas do que com o modelo de cash-back que a Lyoness oferece à sua rede de clientes.
Em países como a Áustria (onde a empresa surgiu), a Noruega, Polónia e Suécia, estes negócios têm sido alvo de sucessivas investigações por parte dos reguladores, mas sem quaisquer consequências até ao momento.
Em Portugal, refere ao SOL fonte da Polícia Judiciária, as autoridades não têm qualquer investigação em curso a eventuais burlas cometidas contra os consumidores. Apenas à Deco têm chegado sinais de alguma insatisfação sobre uma das atividades promovidas pela Lyoness.
Fazer compras e receber parte do dinheiro de volta
Indo por partes. A Lyoness, empresa-mãe, “é uma comunidade de compras e um programa de fidelização de clientes”, explica fonte da empresa.
Às empresas de retalho e serviços que integrem a sua rede de parceiros, a Lyoness entrega cartões que são depois entregues aos clientes e que servem para fazer compras e receber dinheiro de volta nas suas contas bancárias. É um modelo de descontos invertido, em que o produto ou serviço não sofre uma redução de preço à cabeça mas apenas no momento em que uma percentagem dessa transação é devolvida ao cliente.
É isso que significa o conceito de cash-back. Na restauração, por exemplo, a retribuição (dinheiro devolvido aos clientes) é de 7% sobre cada pagamento feito num almoço, num jantar ou noutro tipo de consumo naquele espaço. O cliente apresenta o cartão – ou a aplicação para smartphone – e o sistema regista a sua compra. Mas as devoluções só são feitas quando os reembolsos atinjam os cinco euros, cabendo à própria Lyoness creditar esses valores nas contas bancárias dos clientes.
Atualmente, a rede soma 74.600 membros em Portugal, que têm acesso a descontos em mais de 700 empresas aderentes, segundo dados da própria Lyoness. A rede de empresas tem crescido ao ritmo de “100% ao ano” e o número de membros tem registado “um aumento de, em média, 218,4% ao ano”. Os clientes têm acesso a descontos, as empresas ganham uma rede alargada de potenciais novos clientes – e não há, a este nível, para a Deco, qualquer dúvida com o tipo de negócio praticado. É “um modelo semelhante ao que é usado por outras empresa que, a priori, pode funcionar”, refere a associação.
Recrutadores pagampara alargar rede de clientes
O problema poderá estar noutro nível de atuação, que não passa pela Lyoness – mas sim pela Lyconet – e cuja gestão está, de resto, centralizada na Áustria. É neste âmbito – que não representará mais de 3% do universo de negócios da Lyoness – que surgem receios de um eventual esquema em pirâmide (ao estilo D. Branca, por exemplo).
À Deco chegaram, nos últimos meses, dois testemunhos semelhantes – além das “dezenas” de pedidos de esclarecimento. Um homem e uma mulher contaram ter sido “abordados” por colegas, no local de trabalho, para colaborar num negócio que poderia gerar bons proveitos.
No primeiro caso, a mulher teria sido convidada a investir dois mil euros para poder começar a angariar novos clientes, recebendo uma percentagem desse valor por cada novo elemento angariado. Avançou com 500 euros, arrependeu-se e pediu o dinheiro de volta. Nesse processo, pediu também a intervenção da Deco, para fazer a mediação com a Lyconet, mas acabou por interromper subitamente, sem explicações, a comunicação com a associação.
A Lyoness reconhece que há queixas – na maioria dos casos, por “défice de informação” -, mas rejeita que sejam pedidos aos colaboradores montantes daquele valor para integrar a sua equipa. Para ser colaborador, será solicitado o pagamento de 50 euros, revertíveis em cash-back nas compras que o próprio colaborador venha a realizar nas lojas aderentes, refere fonte da empresa.
As preocupações da Deco residem na “possibilidade de recrutar afiliados e depois ganhar bónus com base nas compras efetuadas por outros membros”. A associação refere que “é este segundo aspeto que leva a dúvidas sobre a Lyoness, pois é bastante complexo e a própria empresa divulga pouca informação”. Houve investigações feitas noutros países, mas os resultados “não são conclusivos”. Daí que o conselho seja o de “prudência a quem for aliciado para fazer pagamentos adicionais (desligados da aquisição de produtos) e recrutar novos membros”.
Confrontada com a possibilidade de organizar um esquema de negócio ilegal, a Lyconet nega essa hipótese e defende que “é preciso fazer a distinção entre a difusão sistemática de rumores e os factos”.
Precisamente para combater essa imagem que se foi criando, a empresa recorreu a escritórios de advogados e consultores jurídicos, pedindo-lhes pareceres sobre o seu modelo de negócio. Em Portugal, a sociedade de advogados PLMJ concluiu, ainda em 2011, que o modelo é legal: “Entendemos ser defensável que o sistema Lyoness não materializa os requisitos previstos na disposição em causa, não devendo ser considerado, nessa medida, um sistema de promoção em pirâmide proibido”, refere o parecer.