2.E a verdade é que os primeiros dias do Marcelo-Presidente foram, globalmente, positivos: continua frenético a ocupar exemplarmente, como ninguém, o espaço mediático. Desde a viagem relâmpago ao Vaticano e a Espanha (no mesmo dia!) até à abertura ao público do Palácio de Belém, passando pelo jantar dos “quase feministas” – Marcelo mostra que ainda domina a linguagem televisiva e comunicacional com mestria. Pelo meio, Marcelo já chateou Pedro Passos Coelho – e já encetou um namoro político oficial com António Costa. Tudo isto em duas semanas. É obra!
3.Dito isto – e pedindo desculpa por quebrar o clima de festa geral em torno do Presidente Marcelo Rebelo de Sousa, que, como os leitores do SOL mais atentos saberão, julgamos ser o homem certo no momento certo (e já o defendemos há muito tempo…) -, julgamos que Marcelo Rebelo de Sousa já cometeu uma infelicidade política. Referimo-nos à promulgação da lei que repõe os quatro feriados nacionais eliminados pelo Governo de Pedro Passos Coelho.
4.O que decidiu o Presidente? Promulgou a lei, afirmando, no entanto, que esta comporta implicações económico-financeiras ainda não quantificadas. No dia seguinte, o Presidente Marcelo voltou a promulgar outro diploma da maioria de esquerda (que repõe os complementos salariais no sector empresarial do Estado), com mais uma ressalva: Marcelo realça que “ apesar de não ser evidente a existência de discussão pública prévia relativamente a todos os aspetos do regime e de serem passíveis de controvérsia jurídica os termos da inclusão da matéria no domínio da contratação colectiva”, atendendo a posições anteriormente assumidas, lá deixou passar o diploma legal.
5.Ou seja: Marcelo Rebelo de Sousa assina as leis, embora a contragosto ou com muita falta de convicção quanto aos seus méritos. No Direito Constitucional, nós qualificamos estas decisões do Presidente da República como sendo “promulgações com reservas”: o Presidente, à luz do princípio da separação de poderes e do princípio da lealdade institucional, não se opõe à decisão legislativa, no entanto, ressalva a sua discordância política quanto ao seu conteúdo. Esta figura – a da promulgação com reservas – não se encontra explicitamente regulada na Constituição da República Portuguesa: ela decorre do poder presidencial geral de promulgar ou de vetar os actos legislativos e do poder de exteriorização do pensamento político do Presidente da República.
6.Curiosamente, esta promulgação com reservas surgiu primeiro (pelo menos, ganhou mais força e visibilidade) no comentário político – e não na ciência jurídica, mais especificamente na dogmática do Direito Constitucional. Antes de parecer nos manuais de Direito Constitucional – esta promulgação com reservas já entrara no glossário político português. Ficou conhecida como a promulgação do “sim, mas…”. E quem foi o seu padrinho? Pois bem, na altura, o mais brilhante comentador político português: Marcelo Rebelo de Sousa de seu nome.
7.E o que afirmava o então comentador Marcelo Rebelo de Sousa? O comentador Marcelo criticava duramente esta “moda” da promulgação do “sim, mas…”. Na TSF, no seu Exame, Marcelo dirigiu fortes críticas a esta tendência de Mário Soares para deixar passar as leis e, ao mesmo tempo, desgastar politicamente o Governo de Cavaco Silva. Mais tarde, Marcelo Rebelo de Sousa voltou à carga para dar nota negativa ao Presidente Jorge Sampaio por usar este expediente não previsto expressamente na Constituição do “sim, mas…”: Marcelo dizia, e com razão, que o Presidente deveria ora promulgar, ora vetar. Já com Cavaco Silva, Marcelo Rebelo de Sousa foi mais suave na crítica ao “sim, mas…” – até porque Cavaco Silva recorreu menos a este expediente que Mário Soares ou Jorge Sampaio.
8.Constatamos, pois, com desagrado que Marcelo Rebelo de Sousa rendeu-se à moda (como o próprio designou) do “sim, mas…”. Promulgo, mas com reservas. Promulgo, embora discordando. Promulgo, mas o Governo deveria estudar melhor a questão. Ora, então para que serve o Presidente da República? Para assinar papéis? O Presidente foi eleito precisamente para evitar que os Governos façam asneiras, enquanto estudam e não estudam as consequências económico-financeiras das suas decisões.
9.Se o Governo deve estudar primeiro, para que é que o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa promulga as leis? Em nome do supremo interesse da cooperação institucional? Para não desagradar tão precocemente à sua grande coligação de apoio eleitoral? Para não cair na popularidade?
10.Mas o Presidente da República defende o superior interesse de Portugal – não defende a sua popularidade pessoal ou aqueles com quem planta magnólias em dias muito bonitos. Até ao momento, temos duas leis promulgadas – duas leis em relação às quais o Presidente tem o pressentimento que terão consequências negativas. Que vão correr mal – então, mas se vão correr mal não deveria o Presidente Marcelo evitar o mal?
11. Esperamos que o comentador Marcelo Rebelo de Sousa – o da TSF, o da TVI e da RTP que tanto criticaram a promulgação do “sim, mas…” porque esvazia a função presidencial – aconselhe o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa na análise do Orçamento de Estado. Seria uma ressurreição pascal – na muito bonita cidade de Celorico de Basto, onde o Presidente passará a Páscoa – muito útil para Portugal.