Em 1991, uma jovem artista plástica da África do Sul, negra, chamada Joyce Ntobe, era escolhida para participar na trienal do país, tendo a mesma obra acabado por integrar a exposição permanente na South African National Gallery.
Quando a responsável pelo museu quis fazer um livro sobre três novas artistas sul-africanas, todas negras, escolheu Joyce Ntobe. Sem imaginar o que a esperava. Na verdade, Joyce Ntobe não existia. Nunca existira. Era um alter-ego criado pelo artista, também sul-africano, mas homem e branco, Beezy Bailey, que refletia o seu sentimento de que o país do apartheid era, à data, o país que continuava a discriminar, apenas tinha mudado a cor da discriminação. Foi por isto que Beezy criou Joyce e candidatou ambos à trienal, com obras que, apesar de terem assinaturas diferentes, eram na verdade feitas pela mesma pessoa. O escândalo arrasou a comunidade artística sul-africana. Mas não fez com que Beezy Bailey mudasse de ideias: para o artista plástico, o país de Mandela continua a discriminar artistas pela cor da pele.
A história é recorrente quando se fala de BeezyBailey, mas não foi o que motivou a vinda do artista, pela primeira vez, a Portugal, um país que reconhece ter “muitos pontos em comum” consigo. “Eu sou um sul-africano que estudou e vive muito em Inglaterra. Ou seja, sou um europeu com raízes africanas. Portugal é um país europeu mas onde as raízes africanas e a ligação a países como Angola e Moçambique são inegáveis”, disse ao B.I.
Beezy Bailey veio a Portugal para apresentar a exposição que criou em conjunto com o compositor e também artista plástico, Brian Eno, para a Bienal de Veneza do ano passado. “O Som da Criação”, patente na galeria Perve, em Alfama, até ao dia 28 de maio, é uma viagem ao universo visual dos dois amigos, mas é também uma viagem sonora. “Já nos conhecemos há quase 20 anos mas só há cerca de cinco nos aproximámos. Há um ano, quase por acaso, começámos a tentar perceber como soariam os quadros que já estávamos a pintar juntos se por acaso tivessem som”, explica, numa pequena mesa num recanto da Perve, com o seu blazer em pelúcia leopardo e com um olhar que faz inveja à loucura.
Perante esta interrogação, Brian Eno procurou uma resposta. E assim começaram a surgir, quase em catadupa, sons e mais sons e mais sons. De animais, da natureza, metálicos, orgânicos, produzidos, reproduzidos, impercetíveis ou facilmente reconhecíveis. Sons que respondiam à pergunta: a que soa uma pintura. E que se podem ouvir, através de auscultadores, enquanto se descobrem as 40 obras que compõem a exposição, que devido à morte de David Bowie, amigo próximo de Beezy Bailey e, sobretudo, de BrianEno com quem trabalhou toda a vida, se tornou também uma espécie de homenagem ao músico.
Beezy Bailey nasceu em Joanesburgo, a 21 de julho de 1962, e formou-se em Fine Art através da Byam Shaw School of Art, em Londres, com especializações em Desenho Vivo, Impressão, Pintura e Escultura. Há mais de 30 anos que se dedica totalmente à arte, dividindo-se, no entanto, pela pintura, desenho, impressão, escultura, cerâmica e performance.
Apesar de somar uma longa lista de exposições individuais, Beezy foi sempre um homem interessado em estabelecer pontes e parcerias com outros artistas, sobretudo especializados em áreas que não domina, como a música. Foi isso que o aproximou de David Bowie e Brian Eno, mas também de Dave Matthews e Arno Carstens. Mas também colaborou com os fotógrafos Adam Letch e Zwelethu Mthethwa, e o escultor Koos Malgas.
Sempre politicamente incorreto, Beezy Bailey chamou a atenção da comunidade artística sul-africana, e mundial, com a criação de Joyce Ntobe. Mas não só. Mais recentemente Beezy Bailey interviu na estátua do comandante Boer Louis Botha, em frente ao Parlamento, na Cidade do Cabo, assim como criou uma nova versão de Cristo na cruz, com um Jesus bailarino. Quando voltamos a olhar para o casaco leopardo e o ar de quem está a viajar noutro planeta, torna-se muito fácil visualizar tudo isto.