«O que temíamos acabou por acontecer», reagiu o primeiro-ministro, Charles Michel, que dias antes já tinha admitido a hipótese de retaliação por parte do Estado Islâmico face à detenção, na sexta-feira anterior, de Salah Abdeslam, o único sobrevivente dos atacantes que espalharam o terror em Paris a 13 de novembro.
Mas se os serviços de informação previram a hipótese de retaliação, o que se seguiu aos atentados mostrou uma menor preparação das autoridades belgas, que cinco dias depois continuam sem saber identificar ao certo o número de atacantes. A confusão ficou exposta nas várias informações divulgadas em torno de Najim Laachraoui, há muito identificado como o fabricante das bombas de Paris que as autoridades suspeitaram estar envolvido na matança de Bruxelas.
Ao final do dia dos atentados, a polícia belga pedia a colaboração da população para encontrar Laachraoui, que então era tido como o único fugitivo entre os atacantes. Na manhã de quarta-feira chegou a ser dado como detido, informação que viria a ser desmentida horas antes de ser anunciado que se tratava de um dos bombistas suicidas do aeroporto.
Ataques tinham outro alvo
Mas a imagem de improviso não é exclusiva das autoridades, pois os próprios terroristas não terão concretizado o ataque que tinham planeado. O jornal belga DH contou a história do taxista que transportou os terroristas ao aeroporto. Por erro da empresa chamada pelos atacantes, foi enviado um carro mais pequeno do que o desejado. Em vez de cinco malas – sabe-se agora que estavam repletas de explosivos – levaram apenas três.
Dias depois, o mesmo jornal indicava que a mudança de planos terá sido ainda maior. Os ataques estariam a ser preparados para a segunda-feira a seguir à Páscoa. E em vez de aeroporto e metro visavam a central nuclear de Doel, a cerca de 70 quilómetros a norte de Bruxelas.
A razão da mudança de planos terá sido a detenção de Abdeslam. Mas mais do que a vontade de retaliar, a célula terrorista parece ter temido a aproximação das autoridades. «Sinto-me pressionado, não sei mais o que posso fazer, estou a ser procurado em todo o lado, não me sinto em segurança e se isto se arrasta, arrisco acabar ao lado dele [Salah Abdeslam] numa cela», assumia Ibrahim el-Bakraoui – irmão de Khalid, dois dos três suicidas confirmados do ataque a Bruxelas – num computador encontrado pela Polícia num caixote do lixo no bairro de Schaerbeek.
O cerco policial manteve-se após os atentados, com novas operações em Schaerbeek e em Molenbeek a resultarem na detenção de cúmplices e outros elementos desta célula do Estado Islâmico. Alemanha e França também intensificaram a vigilância, com várias detenções e um anúncio, na quinta-feira, de que se acabara de evitar um ataque «em estado avançado» de planeamento.
Abdeslam quer França
Paralelamente, o secretário de Estado da Defesa norte-americano, Ashton Carter, anunciou ontem a morte de Abd ar-Rahman Mustafa al-Qaduli, tido como ‘número dois’ do Estado Islâmico – organização que reivindicou e celebrou os ataques de Bruxelas, avisando os «Estados cruzados» da Europa para se prepararem para um futuro «mais duro e amargo, com a promessa de Alá».
No mesmo dia, Salah Abdeslam falou pela primeira vez desde a detenção, confirmando a sua participação nos ataques de Paris: «Conduzia um Renault Clio onde seguiam Bilal Hadfi e outras duas pessoas cujo papel nos ataques desconheço. Devia ter-me feito explodir no Stade de France com os meus cúmplices mas desisti quando estacionei», contou à BMTV.
O terrorista, que pede agora a extradição para França e diz não ter estado envolvido no planeamento do massacre de terça-feira, garante que desempenhou um papel secundário em Paris: «Aluguei carros e quartos de hotel para preparar os atentados de Paris. O responsável foi Abdelhamid Abaaoud», disse, em referência ao homem morto numa operação policial em Saint Dennis ainda em novembro.