O gestor de fortunas com ex-ministros portugueses como clientes

João Humberto Cunha Ferreira, um português, quadro do Banque Internationale à Luxembourg, reuniu em 2013 com responsáveis do escritório de advogados Mossack Fonseca – especializado em constituir sociedades offshore.

O homem, descrito nos Papéis do Panamá como “sénior private banker”, procurava adquirir companhias offshore em Hong Kong e no Panamá que pudessem ser titulares de contas bancárias.

Segundo noticia a TVI e o Expresso, Jorge Cunha – registado na Mossack Fonseca como cliente 37356 – terá referido que “alguns dos clientes finais do contacto em Portugal são ex-ministros e/ou políticos”.

Na documentação é ainda referido que por alguns dos beneficiários serem ex-governantes e políticos iriam aparecer como “PEP [Pessoas Politicamente Expostas] no processo de dever de diligência”, procedimento em que se verifica o perfil dos beneficiários, as suas relações pessoais e profissionais e ainda a origem do dinheiro.

Essa foi uma das questões que mais terá deixado apreensivo Michael Mossack, filho do fundador da sociedade. Segundo um relatório citado pelo Expresso, “Michael explicou [a Cunha] que os requisitos para aceitar PEP mudaram e que [aquela situação iria fazer soar] os alarmes, mas Jorge disse que para ele não [seria] um problema fornecer qualquer dever de diligência reforçado”.

Nos registos da Mossack, a gestora daquela sociedade presente, Kate Jordan, deixou preto no branco que a reunião tinha corrido muito bem.

Cunha era, desde 2012 responsável no banco por gerir e angariar clientes de Portugal, África e América Latina. Aquele trabalho que estava agora a ter (a criação de offshores) antes era feito de outra forma. Enquanto o seu banco fez parte do grupo Dexia, era uma empresa fiduciária do próprio Banque Internationale à Luxembourg – a Experta – que tratava da criação das empresas fachada, junto da Mossack Fonseca. Em 2012, o banco foi vendido à família real do Qatar e tudo isso mudou.

Foi por isso que Jorge foi a essa reunião e acabou por estar presente em outros dois encontros. A terceira vez, foi em julho de 2014 e foi aí que abriu ainda mais o jogo sobre os seus clientes, segundo noticia a TVI e o Expresso.

Num relatório elaborado por Kate Jordan depois dessa última reunião pode ler-se “ele tem um cliente que é Presidente de um país, e que por isso é um PEP importante, que pretende incorporar 10 a 15 companhias panamianas com contas bancárias no Panamá. Ele está disponível para viajar até ao Panamá para entregar os documentos que forem necessários, isto é, cópias dos contratos, processos de dever de diligência, etc., de forma a tratar de toda a papelada de uma só vez. As questões que ele colocou estavam relacionadas com PEP e se nós estamos disponíveis para fornecer estas companhias. Fiquei com todos os detalhes relevantes e irei examinar o assunto com o compliance”.

Os esquemas conseguidos permitiam esconder os verdadeiros beneficiários de contas e bens imobiliários.

Da lista de clientes do gestor português – que obteve 12 offshores – acabou por não constar qualquer pessoa politicamente exposta.

Jorge negou offshores mas depois admitiu

Quando foi confrontado pelo semanário Expresso com toda esta documentação, Jorge Cunha negou tudo, negou até que algum dia tivesse criado uma offshore.

Acabou mais tarde por admitir a sua ligação, confirmando até que uma delas o tinha a si como beneficiário final.

Contactos para criar conta para Isabel dos Santos

Para esclarecer os jornalistas de que o banco para o qual trabalhava não aceitava prestar estes serviços a políticos, Cunha acabou por referir que até já tinha sido abordado para abrir uma conta para Isabel dos Santos, filha do presidente de Angola.

“Cheguei a ter uma reunião em Lisboa com um gestor próximo da empresária, Mário Leite da Silva e com um gestor da Srtorial Asset Management, mas a verdade é que o departamento de Compliance do banco chumbou a hipótese de podermos abrir uma conta dela”, contou ao Expresso e à TVI.

O semanário conta que segundo o testemunho recolhido, a Sartorial- empresa de gestão de fortunas com instalações em Lisboa e no Porto – teria como principal cliente Isabel dos Santos.

Na mesma conversa o gestor português revelou ainda que terá sido abordado em 2015 para abrir uma conta para um familiar do presidente do Cazaquistão, Nursultan Nazarbayev. Outro dos contactos foi feito para que pudesse criar uma conta ao ex-Presidente do Chile Sebástian Piñera. Nenhum dos pedidos foi aceite pelo departamento de compliance do banco, disse.

Contactada pelos meios portugueses parceiros do Consórcio Internacional de Jornalistas, Isabel dos Santos desmentiu “categoricamente a existência de qualquer relação com a empresa e o banco referidos”.

Os beneficiários das offshores de Jorge Cunha

Entre os beneficiários das sociedades offshore criadas pelo gestor português através da Mossack encontram-se oito portugueses (ou cidadãos com residência em Portugal). Segundo o Expresso, o facto de não haver nenhum político não exclui a possibilidade de algum destes nomes poder ter atuado como testa de ferro.

Os nomes dos beneficiários das offshores são: Paulo Sérgio Fernandes Almeida, da Divisão de Investigação Criminal da PSP (com licença sem vencimento e a trabalhar em Angola), José Costa Rodrigues, construtor de Coruche, Joaquim Mota, advogado, Ernst e Eva Rosenthal, empresários, Miguel Valença (e mulher), antigo toureiro que é negociante de cavalos na Ásia e Médio Oriente e Bernardo Sampaio Nunes, empresário.

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