Tiago Bossa Dionisio, economista chefe da empresa de serviços financeiros Eaglestone, explica ao SOL que “o programa de apoio do FMI deverá ter um impacto positivo dado que a possível entrada de dinheiro ajudará a regularizar as contas e os salários em atraso em diversos setores onde operam as empresas portuguesas”.
Além disso, “a aceleração do processo de diversificação da economia Angolana poderá trazer novas oportunidades para as empresas e os trabalhadores portugueses. No entanto, enquanto que a possível entrada de dinheiro para saldar dívidas e pagar salários poderá ter efeitos no curto-prazo acreditamos que o impacto do aumento da diversificação económica irá demorar algum tempo até se fazer sentir”.
A verdade é que a situação das empresas portuguesas que operam em Angola está cada vez mais difícil. E a perspetiva de uma degradação adicional do ambiente de negócios assusta os empresários que viam o país africano como prioritário. As dívidas às empresas portuguesas estavam a aumentar, apesar de não existirem ainda valores concretos. Ao SOL, o presidente da Associação de Industriais da Construção Civil e Obras Públicas (AICCOPN) não escondia já em janeiro deste ano que situação era cada vez mais difícil. “Em primeiro, há um atraso nos pagamentos e depois existe ainda um outro grande problema que é o facto de os pagamentos estarem a ser feitos em kwanzas”, explicou Manuel Reis Campos, acrescentando não existir nenhum número concreto sobre a dívida que existe às empresas portuguesas.
Importância de Angola
Agora, perante o pedido de assistência que foi feito por parte do Governo ao FMI, o presidente da AICCOPN sublinha que, independentemente do impacto positivo ou negativo, Angola deixou há muito de ter alternativas para resolver a grave crise económica e cambial que atravessa. “Este pedido de ajuda é feito porque Angola está numa situação limite. Não há divisas e os trabalhadores não conseguem manter os vínculos laborais que tinham porque os ordenados não estão a ser pagos. Há muitos com ordenados em atraso. Por isso, esta medida mostra uma vontade de resolver a situação e isso é bom. É uma medida que vai ajudar a definir melhor o futuro das nossas empresas. Como estava não podia continuar”.
Reis Campos sublinha que Angola é um mercado importante para Portugal. Em 2014, representava para as empresas portuguesas cerca de dois mil milhões de euros, sendo o quarto maior mercado de exportação de Portugal. “As empresas portuguesas querem continuar a contar com aquele mercado. Havia uma situação de desgaste permanente para os empresários e este pedido é agora um sinal de esperança”, explica, acrescentando que em Angola “temos cerca de 10 mil empresas e quase 130 mil trabalhadores. É um grande volume de negócios”.
Também para Paulo Varela, presidente da Câmara de Comércio e Indústria Portugal-Angola (CCIPA), apesar dos riscos a longo prazo, esta solução pode ser muito importante para as empresas portuguesas: “O acordo com o FMI poderá contribuir para a estabilização da situação cambial evitando maiores dificuldades no curto prazo, o que também beneficiará as empresas portuguesas”.
Impacto na economia nacional
Contudo, o pedido ao FMI tem também riscos de médio prazo. De acordo com uma análise do banco de investimento Haitong, empresas como BCP, BPI, Galp Energia, Mota-Engil, Nos e Ibersol, que são cotadas, podem ser afetadas por este recurso ao FMI. “Esta decisão deverá ter algum impacto na economia portuguesa já que as exportações para aquele país deverão ser travadas e algumas das empresas cotadas ou têm as suas operações no país ou têm o Estado angolano direta ou indiretamente na estrutura de capital”, refere o relatório.
Entre os trabalhadores portugueses em Angola há também receios com um eventual corte nos gastos públicos com infraestruturas. “A solução não passa pelo FMI. Não tenho dúvidas de que a situação vai piorar”, explica Albano Ribeiro, presidente do Sindicato da Construção de Portugal, que antecipa que a desvalorização salarial faça com que o número de pessoas a sair do país continue a aumentar. “Se cortarem nos salários e nas obras, o que vai acontecer é que os que ainda lá estão e vão tentando aguentar vão regressar também. E falamos de milhares”.