E ficou marcada por duas surpresas, que alguns já antecipariam: o presidente do BCE fez uma intervenção muito centrada na importância das reformas e elogiosa para as medidas políticas do anterior Governo, de Passos Coelho e Maria Luís Albuquerque; e, apesar de constar na ordem de trabalhos do Conselho, o primeiro-ministro António Costa adiou a apresentação de números ou metas do Programa de Estabilidade que Portugal enviará a Bruxelas até ao final deste mês.
Marcelo justifica Draghi
A abrir o Conselho, o Presidente Marcelo fez uma curta intervenção na qual rebateu as vozes críticas, de alguns setores do PS e do BE, sobre o convite a Draghi e a ‘intromissão [de Belém] em áreas governativas’ ao avançar com a discussão do Programa Nacional de Reformas (PNR) e do Programa de Estabilidade (PE).
Marcelo lembrou que já um outro responsável de uma instituição internacional, o então presidente da Comissão Europeia, Durão Barroso, estivera como convidado especial da reunião, em 2008, a falar aos conselheiros de Estado. E esclareceu que, cabendo ao Presidente a promulgação do Orçamento do Estado, está dentro das suas competências debater e analisar a política económica e financeira, em que se enquadram os dois documentos, o PNR e o PE, que o Governo vai enviar às autoridades europeias.
Seguiu-se a intervenção do presidente do BCE, que durou 20 minutos, até às 15h30, na qual Draghi sublinhou «os esforços de reforma notáveis e necessários desenvolvidos por Portugal» nos anos do Governo de Passos Coelho, reformas «que estão a dar frutos dentro e fora do país». E enumerou «alguns exemplos» do sucesso português, como «o crescimento dinâmico do emprego desde 2014», «as reformas do mercado de trabalho que estão a tornar a economia mais adaptável» ou «as reformas educativas que estão igualmente a dar fruto, tendo a taxa de abandono escolar precoce baixado para quase metade do seu valor desde 2009».
Mas Draghi foi mais longe na sua intervenção, que seria publicada no site do BCE ainda a reunião ia a meio, por volta das 16h. Avisou que «não se justifica anular reformas anteriores» – o que pareceu um recado dirigido ao espírito de reversão do Governo de António Costa – e mais: que, «além de preservar o que já foi alcançado, são necessárias mais reformas no conjunto da área do euro», como é o caso da «melhoria do funcionamento do mercado de trabalho».
Não deixou, também, de registar «com agrado o compromisso» do Governo do PS «para preparar medidas adicionais» ao Orçamento, se tal for necessário «para assegurar a conformidade» com os limites estabelecidos pelo Tratado Orçamental e o Programa de Estabilidade.
Reformas e mais reformas… e mais reformas
Ficava assim exposta a orientação de Bruxelas e do BCE, que os representantes do BE e do PCP (no caso, Francisco Louçã e Domingos Abrantes) não se cansam de criticar. E, de permeio, ficou feito o elogio ao Governo PSD/CDS que liderou o país de 2011 a 2015. Contudo, Draghi teve o cuidado de evitar qualquer referência a bancos ou às polémicas que têm abalado o sistema financeiro português nos últimos anos, do BES ao Banif e à ‘espanholização’ da banca nacional.
Mas foi esse precisamente o tema principal das perguntas que a seguir lhe dirigiram vários conselheiros. De Ferro Rodrigues a Francisco Louçã ou Francisco Balsemão, que quiseram saber se o BCE deu indicações para a concentração bancária em Portugal, para os casos Banif/Santander, BPI/La Caixa ou para quaisquer preferências entre investidores angolanos ou espanhóis. Mario Draghi fugiu a abordar qualquer questão concreta relativa a bancos, insistindo que isso é da atual competência da Direção-Geral da Concorrência (DGCom) de Bruxelas e do Conselho de Supervisão do BCE.
E voltou a bater na tecla da necessidade de «reformas e mais reformas e mais reformas» a nível europeu. Apontando setores concretos: reformas dos sistemas constitucionais, dos modelos eleitorais, do mercado laboral, do sistema de pensões e reformas, ou da Justiça e da Educação.
Aos conselheiros que queriam ouvi-lo falar da banca portuguesa, o presidente do BCE respondia com reformas. Cavaco Silva também lhe dirigiu uma pergunta sobre a condução da política económica e financeira na Europa, Adriano Moreira e Eduardo Lourenço abordaram questões como a eventual saída da Grã-Bretanha da UE. E António Costa interpelou-o sobre as vias possíveis para a difícil recapitalização da Caixa Geral de Depósitos.
Sempre afável e disponível, Draghi respondeu a todas as perguntas, esquivando-se a falar da CGD ou de qualquer banco em concreto, ao longo de mais de uma hora e meia. Saiu do Conselho de Estado às 17h10, na companhia do governador do Banco de Portugal, Carlos Costa, que não teve qualquer intervenção e se limitou a acompanhar os trabalhos.
Eanes indisposto saiu a meio do Conselho
E se os ex-Presidentes Mário Soares e Jorge Sampaio estiveram ausentes do Conselho, por razões de saúde, também o ex-Presidente Ramalho Eanes viria a abandonar a reunião no intervalo, por motivo de indisposição. A outra ausência foi a do presidente do Governo Regional dos Açores, Vasco Cordeiro, que já tinha antecipadamente agendados afazeres oficiais nas ilhas.
A segunda parte da reunião, que durou cerca de três horas e meia, até perto das 21h, foi aberta com uma detalhada explicação do primeiro-ministro, António Costa, sobre o Programa Nacional de Reformas, que já há uma semana apresentara formalmente ao país. Costa esclareceu, também, que não lhe era possível entregar aos conselheiros os números ou as linhas gerais do Programa de Estabilidade, por ainda estarem a ser negociados com os seus parceiros de coligação, BE e PCP, os termos finais desse Programa. Que apenas irá a Conselho de Ministros no próximo dia 21, chegando ao Parlamento no dia 27, para ser enviada a versão final a Bruxelas até ao final do mês.
‘Cavaco em grande forma’
Dos 15 conselheiros presentes, para além do Presidente e do primeiro-ministro, quase todos intervieram então, ora fazendo algumas considerações sobre política económica, financeira e orçamental, ora deixando no ar algumas perguntas à exposição feita por António Costa. Houve conselheiros, como Miguel Albuquerque, da Madeira, e Adriano Moreira, que preferiram falar sobre questões laterais, com a importância da política do mar.
Destacaram-se, como intervenções mais consistentes e fundamentadas, as de Cavaco Silva, Marques Mendes e Carlos César. «Cavaco Silva apareceu em grande forma», relatou um dos presentes na reunião, sublinhando quer a sua boa disposição quer a pertinência das intervenções do ex-PR, tanto na pergunta que inicialmente dirigiu a Draghi como na exposição que fez sobre os desafios da economia portuguesa.
‘Ímpeto reformista’ no final
E se Domingos Abrantes leu uma declaração com as posições tradicionais do PCP, Francisco Louçã surpreendeu duplamente. O ex-líder do Bloco de Esquerda apareceu de gravata azul (quando antes, só em cerimónias académicas usara excecionalmente gravata) e introduziu um tema inesperado naquele contexto: o dos perigos da «mediatização da Justiça».
No final, foi rapidamente aprovada por todos os conselheiros a nota a distribuir à comunicação social, onde se destacam as opções que se colocam a Portugal «em termos de afirmação do ímpeto reformista» – uma frase que parece ir ao encontro do apelo a mais reformas feito por Mario Draghi – e a necessidade de «assegurar a trajetória de sustentabilidade das finanças públicas portuguesas».
Sem os líderes da oposição, do PSD e do CDS – Passos e Portas renunciaram a sentar-se no novo Conselho de Estado para não legitimarem a ascensão de António Costa a primeiro-ministro e a circunstancial maioria de esquerda na AR – a reunião decorreu sem crispações político-partidárias ou momentos de rutura, sempre num ambiente de cordialidade.
E o Presidente Marcelo já pré-avisou os conselheiros para uma nova reunião, a realizar-se daqui a três meses, em julho.